Das mãos dançarinas às ruguinhas
Caminhava pela rua e aconchegou o casaco de lã, contra si. O frio do final do dia tocava-lhe no corpo e fazia-lhe desejar aquele aconchego que a camisola lhe dava. Respirou fundo e absorveu o ar húmido. Distraidamente estendeu as mãos e pós-se a olhar para elas. Virou as palmas das mãos e observou de dentro para fora, repetidamente, até parecer que as mãos dançavam. Tentou fixar, uma a uma, todas as ruguinhas que enfeitavam as mãos, fixou os olhos que ficaram quase fechados, para que pudesse observar melhor(fazia sempre isso quando queria concentrar-se em alguma coisa).
A primeira ruga lembrou-lhe os passeios pelos campos, nas outras viu o Pai, o carinho que ele dava, os abraços, os risos com os irmãos, com os primos. Todas estas imagens as via quando olhava para as mãos. Em cada ruguinha estava um bocado da sua vida, uma sensação, um sentimento como que escritos sem tinta, nem caneta: gravados, apenas. Passou os olhos pelos dedos que eram delicados e finos numa tentativa para desligar-se dos riscos gravados, mas os olhos atraiçoaram-na, voltaram, de novo, para os risquinhos, mais ou menos perfeitos, que lhe cobriam as mãos, como luvas esburacadas.
Soube naquele momento que aquelas marcas nunca desapareceriam e a elas se juntariam muitas outras. As ruguinhas são sinais de vida, momentos, partilhas e todas as mãos têm espaço para mais e mais.