Disforia de género
(imagem retirada da net)
Vi-te pequena e rosada, com as palavras a cantarem sempre atrás de mim, indefesa, curiosa, um ser impossível de não amar. Nessa impossibilidade vi um caminho para ti, um seguimento de mim: confesso.
Mas, tu eras diferente, não diferente de mim, mas diversa de ti mesma. Debaixo dos longos cabelos e das pestanas vestidas de rímel pulsava uma vontade que eu não via e desconhecia.
Em ti apenas tu vivias, talvez pelo sofrimento que te roía e percorria os teus dias só interessavas tu. Percebi, ali, como acontece quando nos mostram uma pintura pela primeira vez, que nunca tinhas estado comigo, nem contigo.
Compreendi que a menina que conheci e a quem embalei no colo nunca tinha sido uma menina doce e serena, mas antes um pequeno ser perturbado que tinha medo e estava perdido dentro de si mesmo.
A menina que conheci queria ser menino, queria transformar um corpo que não queria para si, mudar o nome, deixar de ser, para voltar a ser de forma diversa e de uma maneira que eu nunca conseguirei entender.
Os cabelos compridos, lindos e ondulados, foram cortados, as pestanas caíram e no lugar de saias e vestidos nasceram calças e camisas.
Hoje não te consigo dizer nada, porque hoje estou de luto. Tive de enterrar uma menina e acompanhar o nascimento de um menino. Hoje começa um novo dia, tu abres os olhos e eu sinto uma saudade imensa da pessoa que és, mas que ao mesmo tempo já não é.