Tinha tudo decidido e tão bem delineado. Acabou de arrumar a cozinha, regou as plantas da Sala(uma orquídea e uma violeta) e sentou-se com uma chávena de chá quente nas mãos. Olhou os livros arrumados, o tapete felpudo e viu-se a viajar para abraçar o seu novo trabalho. Suspirou, o gato passou e enrolou-se-lhe nas pernas. Levantou-se e o fio do telefone enrolou-se nos pés. Nunca mais conseguiu andar. Pensava naquele dia, mas estava numa sala comprida, branca e com pessoas à volta, muitas pessoas. Ouviam-na contar que estava feliz, ouvia-se a si própria dizer que estava feliz. Custava-lhe a acreditar,mas estava. Não tinha feito aquela viagem, já não tinha o tapete felpudo, mas tinha desenvolvido a arte da oratória e dizia aos outros que a vida é como um casaco. Quando o compramos, está direitinho e imaginamos os passeios e o aconchego que vamos sentir ao vesti-lo. Mas um pequeno rasgão faz com que o casaco tenha de ser colocado do avesso. A vida tantas vezes só faz sentido quando está do avesso, quando olhamos para as nervuras do tecido e percebemos que são caminhos que temos de andar. Quantas e quantas vezes o tecido interior é mais bonito do que o exterior? A vida é percebermos que podemos sempre ser felizes com o avesso e que, por vezes, isso é mesmo o que necessitamos.
Despediu-se de todos e empurrou as rodas da cadeira até ao carro. Estava cansada e feliz. O casaco estava do avesso, o lado certo.
Ainda há pouco vi um vídeo no facebook que uma rapariga publicou em que mostrava uma criança no mundo de adultos que não tiravam os olhos do telemóvel, estares a conversar com alguém assim é a pior coisa que existe.
É o mesmo estares a falar para uma parede, disse que ia à casa-de-banho e fui-me embora dali a correr, depois mandou-me sms a perguntar o que me tinha acontecido.