O casaco do avesso
Tinha tudo decidido e tão bem delineado. Acabou de arrumar a cozinha, regou as plantas da Sala(uma orquídea e uma violeta) e sentou-se com uma chávena de chá quente nas mãos. Olhou os livros arrumados, o tapete felpudo e viu-se a viajar para abraçar o seu novo trabalho. Suspirou, o gato passou e enrolou-se-lhe nas pernas. Levantou-se e o fio do telefone enrolou-se nos pés. Nunca mais conseguiu andar. Pensava naquele dia, mas estava numa sala comprida, branca e com pessoas à volta, muitas pessoas. Ouviam-na contar que estava feliz, ouvia-se a si própria dizer que estava feliz. Custava-lhe a acreditar,mas estava. Não tinha feito aquela viagem, já não tinha o tapete felpudo, mas tinha desenvolvido a arte da oratória e dizia aos outros que a vida é como um casaco. Quando o compramos, está direitinho e imaginamos os passeios e o aconchego que vamos sentir ao vesti-lo. Mas um pequeno rasgão faz com que o casaco tenha de ser colocado do avesso. A vida tantas vezes só faz sentido quando está do avesso, quando olhamos para as nervuras do tecido e percebemos que são caminhos que temos de andar. Quantas e quantas vezes o tecido interior é mais bonito do que o exterior? A vida é percebermos que podemos sempre ser felizes com o avesso e que, por vezes, isso é mesmo o que necessitamos.
Despediu-se de todos e empurrou as rodas da cadeira até ao carro. Estava cansada e feliz. O casaco estava do avesso, o lado certo.