Vermelho cor do sangue, da paixão...
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Acabei agora de ler o livro de Marguerite Duras, O Amor, confirmei o que já tinha antes concluído: é uma escrita bonita, poética e de difícil acesso. Todas as palavras são recantos impenetráveis que temos de a custo desbravar. «A história começa. A história começou antes da marcha ao longo do mar, antes do grito, do gesto, do movimento do mar, do movimento da luz. Mas só agora se tornou visível. E é já ali na areia que ela nasce, no mar.» Nesse movimento de mar de de sol de quem vem e quem fica descobre-se o amor, fala-se de morte percebe-se que os lugares são as pessoas que os fazem. Os lugares completam/ ou incompletam as pessoas. Muitas vezes, mesmo não estando sempre em determinados lugares, as pessoas têm dentro de si esses lugares.
«Um homem de pé, olhando: a praia, o mar (...) Entre o homem que olha e o mar, junto do mar, alguém caminha. Um outro homem. (...) À esquerda, uma mulher de olhos fechados. Sentada.»
Sempre gostei de blusas brancas e é, quanto a mim, uma peça obrigatória em todos os guarda roupa. Para além disso esta é, também, uma peça obrigatória da próxima estação. Escolhi esta e conjuguei com peças camel. O que vos parece?
O dia tinha amanhecido luminoso e o sol trocava carícias com as árvores do parque. Quantas vezes se sentara naquele banco e debaixo daquelas árvores e sempre, durante o tempo que estava li, pensava que tinha pouco tempo e que tinha de apressar-se. Na realidade passara a vida numa azafama, a correr e, agora, que as pernas pouco a deixavam andar conseguia ter tempo para ver e escutar. Olhou para os pássaros que voavam à sua volta, escutou as folhas que dançavam nas árvores e fechou os olhos por um instante. Descobria em cada uma das coisas que conhecia novas matizes e experimentava, a cada dia, renovadas sensações. Suspirou ao mesmo tempo que olhou para o rapaz que, agora, se tinha sentado à sua frente. Sorridente acenou-lhe e ela retribuiu. Ofereceu-lhe uma maçã, uma maçã vermelha e luzidia. Pareceu-lhe que era a maçã mais bonita que já tinha visto. Durante horas falaram de tudo, ou melhor ela falou de tudo. Pela primeira vez, em anos, ela tinha encontrado alguém que a escutasse, que a ouvisse verdadeiramente. Dava a sensação que dentro dela existia um baú onde as palavras tinham sido trancadas; agora, sem que entendesse como, a fechadura tinha sido partida. Quase que podia jurar que até ouvira um ruído da fechadura a quebrar, tal a profundidade do que experimentava. Não conseguia explicar o que estava a acontecer mas, sentia-se tão leve e tão em paz que não conseguia deixar de falar. Contou-lhe dos seus tempos de menina, do vestido preferido, do livro que a fez pensar, do outro que a fez suspirar... falou, mais e mais.
Ele apenas sorria e fazia, sempre, novas perguntas porque ele sentia que tinha em si um baú vazio e que precisava se encher com as palavras dela. Sabia que quanto mais ouvisse mais rico ficaria e sentiu-se, pela primeira vez, ávido de palavras.
A menina, das pernas e alma cansadas, percebeu que tinha encontrado uma pessoa invulgar, sabia que já ninguém tinha tempo para escutar os outros. Ela própria achava que não tinha interesse ouvir os outros. A admiração que sentira por ele começou quando lhe estendeu a maçã cresceu mais e mais. A conversa durou dias e anos. Os dois abriram um baú. Um que queria esvaziá-lo e outro que, desejava enche-lo. A alma cansada tornou-se cada vez mais leve e sorridente.