Há no voo das borboletas, um sinal de cor acompanhado pela graciosidade e pela melodia que as asas provocam quando batem. Sempre gostei de borboletas e a principal razão tem a ver com a relação entre a larva e a borboleta, entre o feio e o belo, entre o sofrer e o voar. Adoro estas dicotomias e aprendo sempre com elas. Por muito que tentemos unicamente sentir, o esvoaçar das asas, é impossível não pensar no que esteve subjacente a este leque de cores e de sedução. Talvez seja isso que torna as borboletas belas. Não o facto de serem assim de maneira inquestionável, mas a sua transformação, a sua luta, a sua pequena vida. As borboletas parecem esquecer o seu passado de larvas e constantemente dizem-nos:- eu agora sou só beleza, delicadeza e cor, o que era passou. Eu transformei-me no que sou. Fiz um caminho, tive um passado, mas agora estou aqui e sou assim. Não há porquês, apenas existência e vida, apenas presente e futuro. Só desafios...
Levantei-me da pedra onde me tinha sentado, de pernas cruzadas, a borboleta amarela assustou-se com o meu movimento, mas rapidamente voltou ao seu passo gracioso. Pousou-me no cabelo, ficou quieta, banhou-se no sol, ensinou-me que um larva pode ser crisálida, mas uma borboleta nunca pode voltar a ser larva.
não consigo dominar Este estado de ansiedade A pressa de chegar P'ra não chegar tarde
não sei de que é que eu fujo Sera desta solidão Mas porque é que eu recuso Quem quer dar-me a mao
Vou continuar a procurar A quem eu me quero dar Porque até aqui eu só: Quero quem quem eu nunca vi Porque eu só quero quem Quem não conheci Porque eu só quero quem Quem eu nunca vi Porque eu só quero quem Quem não conheci Porque eu só quero quem Quem eu nunca vi
Esta insatisfacao não consigo compreender Sempre esta sensação Que estou a perder
Tenho pressa de sair Quero sentir ao chegar Vontade de partir P'ra outro lugar
Vou continuar a procurar O meu mundo O meu lugar Porque até aqui eu só: Estou bem aonde eu não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde eu não estou
Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde não estou Estou bem aonde eu não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde eu não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde eu não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde não estou Porque eu só quero ir Aonde eu não vou Porque eu só estou bem Aonde não estou
Das experiências mais enriquecedoras que tive foi quando um professor me pediu fazer uma experiência estética. Na altura fiquei atrapalhada porque não sabia com precisão em que consistia. O professor lá explicou que um ensaio estético baseava-se num entrar na obra, esquecer tudo o que estava à volta(uma espécie de fusão entre observador e objecto observado) ver(verdadeiramente) e sentir. Na altura isso pareceu-me muito complicado e irreal, mas, ainda assim, lá fui eu para a Gulbenkian. Sentei-me no chão e escolhi um quadro. Passei uma boa meia hora a olhar, a tentar perceber a obra, a mensagem, as cores... mas nada imprimia, em mim, um sentimento de pertença e de abandono do que à minha volta imperava.
Ao fim desse tempo comecei a sentir que estava dentro do quadro, o que me rodeava tinha desaparecido e eu já não era bem eu, tinha uma sensação de estranheza e simultaneamente de profundidade e, até, de paz interior. Nunca mais repeti aquela impressão, no entanto posso dizer que foi arrebatadora.
Há pessoas que conseguem esse tipo de sentimento por meio acções que praticam, com pensamentos, com partilhas, com caminhos e com direcções por onde enveredam. Quando sentimos assim percebemos que temos uma missão; por vezes é difícil descobri-la, outras nem queremos aceitar que a temos, outras ainda, demoramos tempo, por vezes mais de meia hora, a misturar-nos com aquilo que descobrimos ser a nossa missão. Uns descobrem quadros, ligam-se com eles, outros descobrem pessoas a quem ajudar, a quem amar, trabalhos a realizar, enfim, encontram um propósito e, acima de tudo, conseguem ver(verdadeiramente) e sentir. Quando assim é deixamos de ser "donos" de nós próprios. Teremos todos uma missão?
Há uns anos estudei a história de um vilão, da mitologia grega(Procrustes), que estabeleceu como desejo o de todas as sua vitimas terem de caber na sua(s) cama(s). Como ele fazia batota e ao invés de ter uma, tinha duas, é escusado dizer que ninguém conseguia ter as medidas que ele pretendia. Imagino que os inocentes quisessem muito encaixar-se naquelas dimensões até porque o contrário, significava a morte.
Há muitas vezes um desejo enorme de nos embutirmos nas medidas dos outros. Lutamos contra a nossa natureza, duvidamos dos nossos gostos, porque o que interessa é que pertençamos ao que os outros idealizaram para nós. Nessa altura estabelecemos, inconscientemente, um tipo de divisão interna, a parte "deformada", em luta com a zona que quer caber dentro da forma. Todos os dias esta divisão é acompanhada de risos e de choros, de vazio e de uma ilusória sensação de preenchimento. Com o caminhar dos dias a parte deformada começa a ficar com um reduto cada vez mais diminuído e insignificante, mas continua incessantemente a batalha e respira sofregamente. Durante esse tempo somos ilusoriamente felizes e convencemo-nos de que conseguimos entrar nos limites que os outros estabeleceram para nós. -Se os outros conseguem(pensamos)...
A questão é que nós não somos os outros e a parte "deformada" deixa de conseguir conter-se.
Afastamo-nos, queremos ser diferentes desejamos, secretamente, ser iguais aos outros até percebermos que nunca o conseguiremos. Nesse momento depreendemos que temos um caminho árduo, solitário e o suor que nos beija as faces, a cada passo, será durante muito tempo, a nossa única companhia. Quando internamente a luta acaba percebemos, por fim, que a nossa forma “deformada” é o que nos caracteriza e é ela que é reveladora da nossa fibra, das nossas falhas, do nosso verdadeiro eu. Não a aceitar é, um definitivo abandono de nós próprios.