Esta semana fui convidada para a inauguração do MAAT(antigo Museu da Electricidade) e gostei muito do espaço, sobretudo das obras de Edgar Martins. Pareceu-me brilhante o facto do artista pegar no tema da morte e da vida sem nunca tornar estes temas óbvios. Tudo é feito, como sugere o tema da exposição, em diálogos e reflexões interiores do artista que depois se traduzem em imagens que nunca tratam dos temas de forma frontal. Recordo a imagem de uma casa de pedra onde tinha ocorrido um homicídio, o que seria de esperar era vermos sangue, ou a pessoa, ou alguma coisa parecida, mas aquilo que fala da morte é o espaço onde ocorreu. Aquela casa ficará marcada, para sempre, pelo acontecimento. É uma boa reflexão esta dos lugares continuarem a ter sempre vozes, presenças e vida mesmo sem a terem. Aconselho vivamente a visita ao espaço e à exposição.
Não me lembro exactamente onde, mas recordo que ouvi uma história infantil sobre uma vaquinha que um dia ficou doente e pensando que era da erva, deixou de comer. Meteu na cabeça que só poderia comer trevos de quatro folhas. Como sabemos os trevos são raros e escusado será dizer que a vaquinha, sem comida, foi ficando cada vez mais doente. Os outros animais bem tentavam convence-la a comer erva, mas ela teimava em não comer. Um dia, um galo, já desesperado de a ver assim, resolveu arranjar uns óculos e pintar-lhe vários trevos de quatro folhas. Convenceu-a de que o problema era a sua deficiente visão e que precisava de ter uns óculos, ela acreditou. A partir dali só via trevos de quatro folhas e rapidamente melhorou.
Hoje dei comigo a pensar na vaquinha e na sua história. Por vezes andamos na vida, em vários campos, vemos tantas ervas bonitas, mas obstinados só procuramos os trevos. Aqui e ali as ervinhas chamam-nos, puxam-nos, mas teimosamente só queremos trevos. Muitas vezes os trevos são indigestos, fazem-nos mal, mas teimamos em os preferir. A dada altura dos nossos percursos temos de procurar uns óculos que nos permitam ver com clareza, que nos mostrem como é a realidade. Essa pode ser muito diferente da que inicialmente pensavamos. Estes óculos devem permitir ver longe e, sobretudo, devem mostrar-nos, o que precisamos e o que queremos. Há tantos campos verdes, por aí, só é preciso olhar bem. Nunca podemos esquecer, no entanto, que o campo mais verdejante é o que vive dentro de nós.Precisam de óculos?