Atena estava na cidade, perto do mercado. Quando cheguei não a vi, mas ela reconheceu-me e veio falar-me. Trazia vestida uma túnica bonita e elegante presa num só ombro e o cabelo apanhado, atrás. Estava pálida e parecia preocupada. Falamos longamente sobre a justiça, a vida e o mundo e contou-me que Ares defendia a guerra para a obtenção da Justiça. Atena discordava e isso fazia com que um rastilho se acedesse constantemente entre os dois, que explodia a cada dia, com mais frequência. Atena ficava cada vez mais triste e preocupada. Sabia que se ela não estivesse perto, Ares provocaria, uma e outra guerra, por vezes sem motivos, e isso traduziria-se em sangue derramado e vidas perdidas.
Raramente uma guerra resolve divergências e ideias diferentes, as guerras servem apenas para mostrar força, não são resolutivas. Acabam quando um lado se apresenta mais fraco, mas as divergências continuarão. Suspirou tristemente e agarrou-me na mão.
Atena gostava de cultivar os seus altos princípios e ponderação sobre a necessidade de lutar para preservar e manter a verdade. Ela oferecia aos heróis as armas que deveriam ser usadas com inteligência, mestria e planeamento.
Pedi-lhe para ser eu a falar com Ares. Ao início não lhe pareceu uma boa ideia, mas acabou por aceitar.
Encontrei-o no meio de um exército pronto para partir para mais uma batalha. Ofereci-lhe uma flor, de cor rosa, e dei-lhe um longo abraço. Ficou quieto, envergonhado e arrastou-me para longe dos outros. Chorou agarrado a mim: ele venceu a maior batalha que era a da luta consigo próprio. Atena juntou-se-nos e todos choramos de alegria. A ponderação de Atena e o carinho venceram aquela luta.
Sentou-se no chão com as costas no muro e no meio do jardim. A terra por baixo das calças azuis quase se fundia com elas, deixando a ideia que terra e menina seriam a mesma coisa. As tulipas começavam a encher o pequeno espaço de luz e de cor, mas ela não reparara. Deixou-se ficar com o tímido sol a percorrer-lhe primeiro o rosto e depois as mãos e, por mais que se esforçasse, não conseguia levantar-se. Estava cansada. Os últimos dias tinham sido particularmente difíceis e por mais que tentasse não lhe vinha ao pensamento nenhuma justificação para que se levantar e continuar.
Estava abandonada neste pensamento quando olhou para o chão e descobriu,entre um amontoado de ervas um pequeno gafanhoto verde, sozinho e apenas com uma pata. Esta imagem fez com que toda a sua atenção virasse, como um leme, para o pequeno ser. Percebeu que lhe era difícil andar e procurar comida, que tinha de defender-se dos outros gafanhotos e que, para beber uns raiozinhos de sol, tinha de esperar que quase já não houvesse sol, para não ficar demasiado exposto. Parava muito, muitas vezes, e parecia cansado. Deteve-se perto do muro, com a terra a envolver a única pata que existia e ficávamos com dúvida onde começava a pata e acabava a terra, deixando a ideia que gafanhoto e terra seriam o mesmo. Durou pouco esta paragem. Rapidamente o gafanhoto saltitou e continuou em busca de alimento; de sol, de novo com energia e resoluto. Uma coisa era descansar, (parecia dizer) outra era desistir.
Diz Gabriel García Márquez que a descoberta e leitura de Rulfo é um capítulo essencial das suas memórias. Na noite em que começou diz ele que não conseguiu parar enquanto não terminou a segunda leitura. De facto esta é uma das melhores estórias que li nos últimos tempos, não só pela entrosado de pensamentos, pelas reflexões constantes, pelas personagens que vão aparecendo e vão contando a estória um dos outros, como pela beleza de tudo o que é escrito e mesmo pelo que não é escrito e que está lá, sem estar. Quando estava a chegar ao fim do conto, tive uma necessidade inédita de fazer uma espécie de árvore genealógica com todas as personagens e de perceber cada uma delas e o seu simbolismo(não consigo descrever o gozo que isso me deu). Consegui escrever uma folha completa, tal a riqueza e diversidade de personagens e ao mesmo tempo de estórias. O Gabriel Garcia Márquez queixava-se de ser um texto sem tempo porque não sabemos se dura um dia, um mês, ou um ano, mas para mim isso é o que torna este livro encantador. No final um filho que procura um Pai, que nunca foi pai, mas que foi(ou não) tantas e tantas coisas...
É pequeno e lê-se muito bem, aproveitem estes dias de chuva e viagem até Comala (cidade onde tudo acontece).
Enquanto caminhava no meio do arvoredo uma pena pequena e "pintada" de cinzenta veio acomodar-se junto dos meus sapatos.Peguei nela e pensei no simbolismo que envolve a pena.
A pena simboliza a sorte, a protecção, a fecundidade, a clarividência, a fantasia, a lua, a justiça, o poder, o pensamento.
Na Idade Média, a pena funcionava como uma espécie de oráculo na medida em que a pessoa que estivesse perdida num labirinto ou numa encruzilhada, ao soprar uma pena no ar, ela indicaria a direcção e o caminho correto. Deste modo, em muitas culturas, a pena simboliza a boa sorte, a protecção, a força do pensamento.
Nos rituaisxamânicos de ascensão celeste, a pena simboliza a clarividência e a protecção, enquanto que para os povos primitivos as penas representavam um símbolo de poder; o cocar de penas de águia possuía uma simbologia mágica, de clarividência para quem o utilizasse.
Para os Egípcios, a pena é o símbolo da justiça uma vez que nos pratos da balança era considerado o peso mais leve, mas suficiente para desequilibrar a balança.
Cada pena tem um significado diferente,no entanto a que mais me interessou é a pena de pavão.Não sabia que as penas do pavão contêm olhos, os quais simbolizam a preocupação com o mundo. De acordo com a lenda, o gigante grego Argos tinha cem olhos, que não dormiam em simultâneo. Ao morrer, Hera - a rainha dos deuses - teria colocado esses mesmos olhos nas penas da ave.
Ao mesmo tempo, a cauda do pavão é uma representação da abóbada celeste, cujos “olhos” são estrelas.
Sentou-se no cadeirão, junto à janela, lá fora o vento arrastava pequenos pedaços de trigo que a colheita não tinha arrecadado. Ele olhava aquela chuva amarela ao mesmo tempo que puxava, para cima das pernas, a manta de lã, com xadrez. Era neste aconchego que recebia a solidão. Estava sozinho com ele e mesmo que tivesse muita gente à volta era com ele que vivia na maioria dos momentos.
A solidão dava-lhe esse conhecimento do que de melhor e pior existia em si. Tal como uma árvore com duros ramos, a solidão ia crescendo, florescia na Primavera e parecia mesmo, nessa altura, que se extinguia, mas depois existiam momentos em que o Inverno se sobrepunha à Primavera e ela florescia por entre os ramos despidos e sem nenhuma ordem estabelecida. Certo é que ela existia sempre, podia estar por vezes encoberta, as flores podiam tapá-la, mas ela estava lá, enquanto ele estivesse.
Ela era o seu amigo secreto, o seu confidente forçado e era, sem dúvida, a sua companhia mais certa. Mas era ela que o completava porque era a solidão que o fazia olhar-se de frente, ver-se a si. Por vezes tinha medo dela, tentava fugir-lhe e, nesses momentos, rodeava-se de pessoas (quantas mais melhor).
Via-a a um canto, mas atirava-lhe um casaco para cima e fazia de conta que não estava lá, mas no fim era sempre com ela que se encontrava, porque era a si que precisava compreender e encontrar e, nessa hora, ela era a melhor aliada. Obrigara-o a conhecer-se, a completar-se a si, por si.
Pegou numa chávena de chá fumegante e deu um pequeno gole. O quente percorreu-lhe a garganta e ele sorriu. Levantou o chá, em forma de brinde, e foi nela(solidão) que pensou.
-Não devemos temer aquilo que nos ajuda a perceber as entranhas, disse(baixinho).