A nossa sociedade premeia cada vez mais, o mal! Ética é algo a exigir dosoutros e não de mim?
A história está repleta de figuras admiradas porque as suas condutas eram, ou foram, pouco virtuosas. Parece que ser ético, está cada vez mais, fora de moda e que se privilegia o sucesso fácil, sem trabalho e conseguido por meios pouco ortodoxos. Para além disso tenho cada vez mais dúvidas, salvo raras excepções, que se consigam grandes fortunas e enormes carreiras de forças licitas e, sobretudo éticas, Li recentemente duas biografias que me deixaram a pensar, profundamente, nos caminhos que o nosso tempo percorre e naquilo que admiramos.
A primeira biografia é a de Steve Jobs, o patrão da Aple, que todos admiram acalentando, no fundo, um desejo secreto de ser como ele. Pois bem: Steve Jobs começou a sua empreitada a construir uma caixa para roubar sinal de rede aos Estados Unidos. Este foi o seu primeiro invento: Uma caixa que roubava. Ele orgulhava-se disto e está explanado na sua biografia. Ele cometeu uma infracção e coloca isso como sendo a de um espirito empreendedor. Não sei se sou eu que analiso isto mal, não tirando o mérito e inteligência do Senhor, que são inegáveis, fico a perguntar-me se este é o caminho para o sucesso? Se é objecto de admiração alguém que começa o seu negócio a roubar e que, pior que isso, se orgulha disso e propagandeia esta acção. O que dizer a um filho ou um sobrinho quando nos disserem: Caramba o Steve Jobs é um homem admirável. Eu vou começar a roubar porque quero chegar onde ele chegou e sem roubo não há sucesso.
A penumbra já me envolvia quando iniciei o meu passeio de fim de dia. Admirava os lampiões que iluminavam a rua quando vi Afrodite a correr saindo da casa de Ares para entrar na sua. Não me pareceu estranho porque Ares era irmão de Hefesto e cunhado de Afrodite, mas a corrida fez-me pensar que haveria qualquer coisa que não estaria bem. Ainda assim continuei o meu passeio e esqueci o acontecimento até que no outro dia, pela mesma hora me chamaram para ir a casa de Ares. Estavam lá todos o deuses e na cama; presos por uma malha de ferro, tecida por Hefesto, estavam Ares e Afrodite.
Percebi tudo, assim como todos os Deuses: Afrodite e Ares não resistiram à paixão que nutriam um pelo outro e Hefesto descobriu. Os deuses ficaram zangados e aquela traição nunca iria ser esquecida. Hefesto amava Afrodite e penso que Afrodite também o amaria, mas a paixão foi superior ao amor.
Quando a rede foi tirada ofereci um lençol a Afrodite que me agradeceu e abraçou. Estava envergonhada e perdida e durante algum tempo ninguém a viu. Porém; passado um tempo, ela bateu-me, levemente, na porta queria apresentar-me a pequena Harmonia, sua filha e de Ares. Era linda a Harmonia : peguei-lhe ao colo e senti nas mãos o equilíbrio entre o amor e a paixão.
Sentou-se na mesa do café que ficava em frente à escola, onde ela trabalhava. Tirou um cigarro e acendeu-o, nervosamente. Sabia o que ela lhe ia dizer, pressentia-o, pelo menos. Desde que ela lhe dissera que tinha um assunto importante para falar com ele, que sabia o que era. Atirou uma baforada para longe e amachucou, com os dedos, o papel da caixa dos cigarros. Sentia-se pequeno cada vez que pensava nela, não porque ela o fizesse sentir pequeno, mas porque perto dela todos eram pequenos. Sabia-lhe a força, descobria-lhe, em cada gesto, a capacidade desmesurada de amar.
Admirava-lhe os olhos brilhantes quando se entusiasmava com um tema. As palavras envolviam quem a ouvia, era impossível que assim não fosse. Ela punha uma tal força e entusiasmo que qualquer tema, mesmo os mais insignificantes ganhavam dimensão. Ela colocava amor em tudo, ela punha-se a si, à sua alma, em tudo o que tocava.
Imerso nestes pensamentos, viu-a chegar, com um vestido verde, elegante, de sorriso na cara e cabelo esvoaçante. Cumprimentou-o com um beijo, pareceu-lhe ainda mais bonita. Acompanhava os movimentos dos lábios e adivinhava as palavras que ele já conhecia, sempre sem ouvir. Invejava-a e estava contente, mais que isso, estava feliz por ela e por ele, mas não conseguia dizer-lhe. Ao contrário tratou de encontrar aspectos negativos, amarras que a prenderiam e não a deixariam voar, algemas que a fariam estar perto dele e não lhe descobrir a fraqueza. Tempos depois, na mesma mesa, percebeu o mal que lhe tinha feito e viu-a tal pássaro numa gaiola. Deu-lhe as chaves e ela convidou-o a voar com ela...
Agora que o Inverno se foi e com ele o tempo das lareiras acesas e das chaminés fumegantes entretive-me a pensar(podia dar-me para pior) no simbolismo das chaminés.
Na realidade desde pequenos que nos dizem que o Pai Natal desce pela chaminé e isso não é ao acaso. Na realidade a chaminé traduz um simbolismo de ligação das coisas celestes com as coisas terrenas. Uma via de comunicação, um veículo de coisas misteriosas. Pode ser considerado o canal por onde passa o sopro que anima o lar, o vento que entra e o fumo que sai. Aspiram as chamas, atiçam o fogo e o calor. O fumo que dela sai é o sinal de vida dentro das casas. Nos contos e mitos, é o caminho das bruxas voando para o sabá.
Ela é também o símbolo do elo social. Em volta dela fazem-se os serões ou evocam-se os costumes dos Antepassados e os espíritos dos contos.
A chuva abraçava devagar os vidros das pequenas janelas de aros brancos, presenteando-nos com uma música ritmada e perfeita.
Ao compasso da chuva ela tentava arrumar coisas: sempre a arrumação das coisas. Abria portas; gavetas, voltava a fecha-las, abria-as, de novo. Sentou-se em cima da cama, uma cama grande e coberta de cinzento.
Quase que se confundia com a cama, caso alguém entrasse e a visse...
Ficou algum tempo a olhar, a ver tudo, como se descobrisse tudo pela primeira vez. Estranhou as coisas(sempre as coisas) e deixou-se ficar imóvel, a tentar perceber não sabia exactamente o quê. Tinha que arrumar, encontrar espaço onde guardar tudo, (embora soubesse que havia coisas que não podem ser encerradas), necessitava de lugares. Olhou as paredes brancas, lembrou-se, recordou-se de tantas coisas que as paredes pareciam telas pintadas por um pintor realista. Viu cores, sentiu os cheiros das cores, recordou olhares e sorrisos.
Tirou os sapatos e arrumou-os ao lado da cama, mexeu os pés como que para os esticar e deixou-se ficar mais um pouco. Continuou à procura de espaços, com os olhos. Cansou-se disso, levantou-se e tentou arrumar tudo de uma forma frenética e quase desordenada, mas não havia espaço. Naquele dia a saudade ocupava todas as gavetas e era impossível arruma-la. As coisas estavam lá, quietas e guardadas, mas para a saudade, para essa não havia lugares suficientes e isso era definitivo.