Adoro girassóis e hoje quis saber o seu simbolismo. Assim, como o próprio nome expressa o girassol, não poderia deixar de ser um símbolo solar. O seu nome resulta não só dum tropismo bem conhecido, mas ainda da forma raiada da flor. Para os chineses é um alimento de imortalidade. A sua cor mutante poderá ter relação com os orientes, e caracterizá-lo-ia, então, a ele próprio como heliotrópio. Num aspecto místico simbolizaria o amor divino, os sentimentos e pensamentos dirigidos a Deus. É um símbolo da prece.
A primeira coisa que fazia, nos Domingos, era abrir os olhos e ficar à escuta. Respirava com calma e o seu ouvido procurava os sons da chuva. Ficava desapontada quando os pingos da água não tocavam na vidraça e saltava da cama quando os sentia fortes e persistentes contra o vidro.
Sabia que se chovesse o pai ficava mais tempo na cama e corria para ficar com ele, enquanto a mãe cuidava dos cães. O pai sintonizava um rádio que tinha na cabeceira e os clássicos evadiam toda a casa. Contava-me histórias sobre cada uma das músicas e o que fazia no momento em que se ouviram pela primeira vez, trauteava os refrões e fazia-me cocegas quando o imitava. Aquilo demorava umas duas horas, mas para mim parecia que o mundo tinha parado para sempre e que aquele momento se manteria intocável. Depois era a vez do momento da lareira. Ela ficava mais um bocadinho em êxtase musical enquanto ele acendia a lareira e torrava o pão, desta vez era o nariz que lhe dizia quando se devia levantar. Corria para o chão, em frente à lareira, e como prato na mão, tocada pelo calor que não vinha do lume, comia saborosos pequenos almoços e imaginava o que fariam a seguir.
Na sua imaginação estes momentos existiriam sempre e mesmo velhinhos continuariam a ouvir clássicos e a comer torradas sentados no chão. Quanto mais anos passavam mais gostava de Domingos chuvosos, porque sabia que mesmo sem ter, existiria sempre música, cócegas e torradas no chão que eram na realidade muito mais do que música cócegas e torradas no chão...
Entraram e ela escolheu a mesa no andar em cima, mesmo em frente à porta de vidro. Cá fora dois rapazes estavam sentados na esplanada e discutiam os desenhos que um deles tinha na camisola preta. Riram-se e continuaram animadamente a sua conversa.
Ele pegou na lista e olhou-a introspectivo. Não me apetece pensar, disse ela, por isso escolhe tu.
Não se lembra do que ele pediu, mas escutava as palavras dele. Cada uma delas, enfileiradas, perspicazes e acutilantes. Não as entendeu logo, mas à medida que bebia a cerveja emprestada e vestida de gelo, começou a senti-las dentro de si. Vivia as palavras e elas passaram a ser dela. Não sabia explicar a razão, mas pressentia dentro dela uma mudança, uma espécie de grito que estava abafado à espera de ser solto. Ele pousou a mão nela e voltou a repetir-lhe: - A tua consciência terá sempre mais peso do que a opinião do mundo inteiro. É contigo que tens de viver. Ouviu-o outra vez. Ficou muda com o copo na mão e com a efervescência a descer- lhe pela garganta. Sentia-se a andar, mesmo estando sentada.