Um dia destes estava cansada e não me apetecia ler nada de muito denso e que demorasse muito tempo. Peguei nos ensaios do Montaigne e abri ao acaso o ensaio sobre a constância. Uma leitura que se pretendia leve fez-me pensar de forma profunda.
Na realidade eu sempre pensei na constância como algo que se mantém, uma postura que, independentemente do que suceda, é firme. No entanto, nunca tinha pensado que ser constante por vezes também é fugir. Se a constância que se pretende é manter o nosso espírito elevado e são, o melhor remédio, amiúde é virar costas do que nos perturba. Mas há vezes em que mover um milímetro significa que o nosso eu pode sair estilhaçado.
A grande lição de Montaigne, que aliás não é nova, é de encontrar na constância ou para a constância, a moderação. A constância não é, assim, a permanência,mas a moderação.
O sol queimava-lhe as faces lívidas e jovens. Não se mexia, não se podia mexer. Encetar um movimento significaria voltar à realidade, à sua realidade. Deixou-se ficar, como um insecto à espera que a presa se vá embora. Enrolou-se em si mesma e sentiu o tempo a percorrer-lhe o corpo. Primeiro mansamente e depois de uma forma tão assolapada que quase teve de gritar. Mas não fez. Nunca o fazia. Gritar era para os fracos ou para aqueles a quem era permitido virar-se ao contrário. Conservou-se quieta e as pessoas que passavam ali não a viam. Nunca ninguém a via. Não por ser invisível, porque não era, mas porque a sua visibilidade era de tal forma bela que perturbava. E o tempo continuava a sufoca-la com os seus dedos fortes na garganta, queria-lhe o ar. Era um ladrão de sopros, o tempo.
Ao lado as pessoas trabalhavam; resignadas. Mas não sabiam que o estavam. Dificilmente alguém sabe que se resignou. Iludem-se os sentidos, faz-se de conta que se luta, pensa-se na felicidade. Resignados, era isso que via. Autómatos que ignoram ou tapam a verdade com rotinas e trabalhos. Enrolou-se mais em si. Viu uma pequena joaninha, teimou em não se mexer, mas a joaninha olhava-a e sacudia as asas. A joaninha tinha pressa, a joaninha tinha asas, a dona das pintinhas não gostava de resignados.
Olhava para um lado, depois para o outro e nunca sabia se estava no caminho certo.Os pés doíam-lhe cansados e feridos. Parou na berma, tirou o sapatos e olhou os dedos ensanguentados e sujos do pó da estrada. Tirou um lenço do bolso e tentou aconchegar os pés. Olhou para trás, uma vez mais.Tinha andado muito, mas o caminho estava longe de terminar. Não que o caminho se medisse em quilómetros, ou talvez medisse, mas ela sabia que faltava muito. Calçou de novo os sapatos e a dor das feridas fé-la contorcer-se. Continuou, ainda assim, sem parar. Na testa o suor navegava-lhe como num rio. Ouvia músicas, várias. Olhava para o lado, para trás e as músicas aumentavam de volume. A estrada era estreita composta de pedras e pó, ladeada, aqui e ali, por ciprestes pequenos e pouco verdes. A caminhada continuava. Até onde? perguntava-se. Olhou uma vez mais para trás, como se esperasse alguém ou alguma coisa, mas nada se via.
Aos poucos os pós foram substituídos por areias finas, as pedras eram escassas e apareceram flores, todas as flores. Um desfile de cor, de verde, de cheiros. Olhou em frente, queria mais flores. Deixou de olhar para trás, caminhou devagar, tirou os sapatos e os pés ensanguentados puderam descansar.
O que dizer? Já pensaram que quando um livro passa por nós, desde que seja bom, acaba por fazer parte da nossa vida? Sinto isso muitas vezes e com estas aventuras definitivamente senti isso.
A par com a MontanhaMágica que irá ser, sempre( para sempre) um dos livros da minha vida o Augie conquistou-me. O relato é de uma caminhada pela vida, pelas diferentes idades da personagem, pelo crescimento, pelo não crescimento...
Uma busca pelo princípio universal de felicidade, onde se cruzam tantos outros princípios e valores.
Augie foge do convencional, do banal, mas quer o mesmo que os outros, mas de outra forma. Quer tudo de uma maneira profunda, inteira e pura, a forma certa de desejar os bons sentimentos. Saul Bellow, o autor, escreve com pregos, como tenho por hábito dizer. Marca, marca mesmo.
Aproveitem as férias que se aproximam a passos largos e convidem este amigo a entrar na vossa vida...