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(imagem retirada da net)
Ficou encostada à parede da sala, com a face colada no vidro. Gostava daquela sensação de frio sobre a pele. Do outro lado ouvia as palavras dele. Queria apenas um abraço, pensava. Não sabia já o que ele dizia, perdeu-se naquele complexo fio de palavras. Ela estava longe ou perto? Se alguém a visse não saberia dizer. O olhar perdido no que estava para além do vidro, o silêncio da escuta das palavras dos outros e ela não estava lá.
Onde ela estava não entrava ninguém, há muito que o tinha decidido. Lá não existiam julgamentos e nem culpas. Permitia-se ser quem quisesse. Passeava por entre as flores e sentia as agulhas dos pinheiros a picar-lhe a pele, não se importava. Ali sorria e cantava, sim ela cantava. Ás vezes canções simples com letras infantis, outras pequenos trechos de complexas sonatas. Fugia sempre, melhor o seu pensamento fugia, de cada vez que tinha de sair daquele seu eu, que era tão seu. As palavras voltaram, tirou a face do vidro, estava de volta.
As palavras evadiam-lhe a boca como um torrente de água que nenhum dique consegue travar. Por mais que tentasse elas tinham vontade própria e eram resultado de um longo envenenamento interior. Ele olhava-a e respondia sem saber bem como, mas nada a travava. Os olhos brilhavam-lhe de raiva, o tormento que passara durante os últimos anos tinha sido transformado em sons e palavras e agora, nada os podia travar. Não sabia para onde ir, mas sabia que não podia mais ficar calada. Era impossível faze-lo e continuar ressentida. Não sabia o que a esperava a partir dali, não previa nada de fácil, nem de bom, mas calar o sentia era fazer com que se mantivesse cativa e disposta a que continuassem a servir-se dela.
Os interesses sobrepõem-se muitas vezes aos sentimentos. Os interesses aguçam quase sempre os egoísmos e o que há de pior em nós, pensou. Há uma corrida desenfreada, para conseguir mais, para ser melhor e para isso não interessa que os outros se magoem ou sejam suprimidos. Interessa servir-se e descartar.
Finalmente as palavras começaram a faltar-lhe, assim como lhe faltaram, também, as lágrimas. Sentia-se livre, ao mesmo tempo culpada por ter dito tudo. Durante toda a vida, sempre se sentira culpada. Todos sabiam disso e faze-la sentir ainda mais era o seu maior trunfo. As palavras acabaram e deixaram instalar-se o silêncio...
Ibsen é um dramaturgo norueguês e são várias as peças de teatro,sobretudo teatro realista que tem escritas. Neste caso a escolha recaiu sobre "Uma casa de bonecas" e "O Pato Selvagem". Em ambos os casos a escrita é fluída e as histórias encerram reflexões sobre temas pertinentes. No primeiro caso é retratado o papel da mulher, a submissão à família, ao marido e a sua (necessária) emancipação. O segundo caso, mais complexo, aborda a questão da felicidade, da verdade, da mentira e das consequências que pode ter o peso de desvendar a verdade.
São histórias que se lêem rapidamente, mas que nos fazem reflectir, profundamente, sobre várias questões da vida humana.