To Build a Home..
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A água batia forte na parede de granito creme levantando pequenas ondas com o embate. Ela envergava um vestido preto com um pequeno folho que ondulava a cada movimento da água. Estava sentada na parede com a pernas sobre o mar. Pensava em tantas coisas naquele momento que era difícil responder quando lhe perguntaram em que pensava. Era sempre assim. O pensamento fugia-lhe, ou era ela que escapava quando não queria responder às coisas que significavam. Foi sempre mais fácil ter um pensamento cheio, com mil coisas. Assustava-se quando não tinha coisas em que pensar. Admirava-se quando as pessoas diziam que tinham de descansar a cabeça. Ela era perita em encher a cabeça e em fazer com que ela não descansasse.
Cada vez que lhe perguntavam em que pensava assaltava-a uma alegria inexplicável por quererem saber do que estava para além do visível e do dizível. No entanto, o problema era esse... o dizível... Muitas vezes não conseguia dizer em que pensava e as pessoas ficavam irritadas. Como não sabes em que pensas? - Atiravam ressentidas.
E ela ouvia-se dizer, sem dizer: penso em tantas coisas.
Num campo cheio de margaridas, ou então apenas numa, na brisa suave do fim do dia, num suspiro, num toque, nos seixos frios do rio, numa canção, no abraço do meu pai... em tantas coisas. O estranho é que pensava nestas coisas no meio de conversas que não eram nada disto. Por vezes conversas com temas sérios, que exigiam respostas sérias e as pessoas irritavam-se, claro que irritavam... e ela não conseguia dizer nada, estava além das suas forças.
O pensamento fugia e as palavras também. Ficava calada, sem saber o que dizer. Sentia um vento forte no campo de margaridas, a brisa desaparecia, o suspiro tornava-se lamento, o toque tornava-se consolo, os seixos magoavam, a música subia de volume e no fim, no final, mais mil novos pensamentos e sempre um abraço onde ela escondia a cara e adormecia.
Tenho pensado inúmeras vezes no significado do conceito transformação. Cheguei a analisar o significado da palavra, mas nunca fiquei suficientemente convencida. Transformar é mudar, é certo, mas muda-se o quê? Mudamos o estado, o aspecto, alteramos o interior. Tudo isso, mas não só. Transformar é usar muitas vezes o mesmo vestido com uns botões novos e umas rendas.
Herman Hesse compreendeu bem o conceito de transformação quando sentou Siddharta à beira do rio e o fez escutar. Era o mesmo homem, o mesmo rio, mas era tudo tão diferente, tudo transformado, a começar pelo próprio Siddharta. Quantas vezes ao longo da vida nos transformamos? Quantas vezes seria premente sentarmo-nos quietos, só a ouvir o rio? Por vezes não é possível manter nada do que existe e a transformação interior obriga-nos a vomitar as entranhas e a começar tudo de novo, quase a nascer de novo, outras vezes basta só, como já referi, sentar, escutar, bater as asas e escolher novos botões. Como sugere a música é tempo de os pássaros chegarem e da transformação acontecer...