Alexandrina nunca se queixava
(imagem retirada da internet)
Ecoavam os sons das crianças que com as palmas das mãos pronunciavam ritmadamente lengalengas infantis e melódicas. Ao pé de Alexandrina estavam sempre crianças. Nunca consegui explicar porque razão as crianças se aproximavam dela, mas havia sempre crianças.
Alexandrina era baixa e forte, com o peito até ao regaço. De todas as vezes que a vi, usava sempre a mesma bata de flores azuis e vermelhas, com um pequeno fecho de lado. A única vez que apareceu de forma diferente foi quando o padre, já velhinho, faleceu. Nesse dia Alexandrina trajava um elegante fato preto, com uma blusa branca. Desde que lembro tinha o cabelo grisalho,comprido que usava num enorme carrapicho atrás da cabeça. Por vezes quando passava na rua em que vivia, pela manhã, vi-a no quintal com o enorme cabelo numa mão e um pequeno pente no outro. Levava tempo até que todo o cabelo estivesse penteado e atado, mas era um ritual que ela não descurava. Alexandrina ficou viúva muito cedo e com três filhas para sustentar, naquele tempo o melhor para uma mulher nessa condição era casar de novo, ou então trabalhar nos "cortes". Alexandrina não quis casar, de novo, e trabalhava de sol a sol para que naquela casa nunca faltasse o pão. Apesar do aspecto rude, Alexandrina tinha um olhar bondoso e as filhas eram o seu poço de força e a sua alegria. Nunca se queixava e assistiu quieta à saída de cada uma delas( para o trabalho na grande cidade, ou na cidade grande). Assim que a última se foi Alexandrina deixou de pentear o cabelo e aparecia com ele solto, sem brilho e com um aspecto desgrenhado. Foram tempos dificeis para Alexandrina que só comia porque as vizinhas, com a desculpa de ter demais, lhe levavam. Um dia já tarde a filha mais velha bateu-lhe à porta, em prantos e Alexandrina acolheu-a nos braços com medo do que a filha tinha para lhe dizer. Percebeu que a filha estava grávida de gémeas e que temia criá-las numa cidade onde não conhecia ninguém e o tempo era pouco entre o trabalho e a casa. Alexandrina acalmou-a e disse-lhe que ficava ela com elas até serem mais crescidas. As netas ficaram com ela até já serem adultas e seguirem para o estrangeiro. Durante todo o tempo que as teve Alexandrina cantava, trabalhava e o cabelo ganhou o brilho e o cuidado de outrora. Foram tempo felizes, esses.
Nunca se queixava... nunca se queixava. A única vez que se lamentou, foi em forma de grito, perdeu a força numa das pernas, depois num braço e nunca mais falou. As meninas, como ela lhe chamava, não vieram e o olhar bondoso e o cabelo longo estão hoje arrumados no canto de uma sala, onde faltam risos e onde há frio, muito frio.