Apagar sorrisos.
O mar ralhava com as rochas, zangava-se e dava-lhe palmadas vigorosas. Ela estava de pernas cruzadas atordoada com o som que o mar fazia e deixava-se levar por aquela fervorosa discussão, mantendo o olhar pousado no azul e no branco. Seguia o movimento da água, o bailado das gaivotas, o cheiro penetrante que por ali habitava, sentia-se em casa.
Lembrou-se de várias pessoas que conhecia, umas que ainda a acompanhavam, outras que apenas via em sonhos ou em pensamentos. Passavam-lhe pelos olhos, uma a uma, por vezes de forma delicada, outras de forma brusca. Sentia o olhar terno de uns, as palavras amáveis e sinceras de outros, mas não esquecia a maldade e as sombras que também lhe tinham oferecido.
Respirou fundo, absorveu o cheiro do mar, açambarcou-o totalmente e deteve-o o máximo que pode, em si.
Pensou em qual teria sido a pior coisa que lhe haviam feito, não sabia a razão de tal pensamento a visitar, mas a verdade é que sentiu esta dúvida e isso obrigou-a a revirar, por fora e por dentro, o saco das memórias. Por vezes teria querido deitar este saco fora, no fim acabava por sentir um enorme apego a ele, sabia bem que aquele saco era ela, com o avesso e o direito, com remendos e tecidos novos, tudo isto era o que a fazia como era. Por fim lembrou-se do pior que tinham querido fazer-lhe, do pior que se pode fazer a alguém. Os olhos tornaram-se pequenos e cortantes. O pior pensou, com as palavras a formarem uma frase gritante: - O pior, é quando nos tentam apagar o sorriso...
O mar fez as pazes com as rochas cinzentas e ela sorriu, sorriu muito.