As joaninhas e os resignados
(imagem retirada da net)
O sol queimava-lhe as faces lívidas e jovens. Não se mexia, não se podia mexer. Encetar um movimento significaria voltar à realidade, à sua realidade. Deixou-se ficar, como um insecto à espera que a presa se vá embora. Enrolou-se em si mesma e sentiu o tempo a percorrer-lhe o corpo. Primeiro mansamente e depois de uma forma tão assolapada que quase teve de gritar. Mas não fez. Nunca o fazia. Gritar era para os fracos ou para aqueles a quem era permitido virar-se ao contrário. Conservou-se quieta e as pessoas que passavam ali não a viam. Nunca ninguém a via. Não por ser invisível, porque não era, mas porque a sua visibilidade era de tal forma bela que perturbava. E o tempo continuava a sufoca-la com os seus dedos fortes na garganta, queria-lhe o ar. Era um ladrão de sopros, o tempo.
Ao lado as pessoas trabalhavam; resignadas. Mas não sabiam que o estavam. Dificilmente alguém sabe que se resignou. Iludem-se os sentidos, faz-se de conta que se luta, pensa-se na felicidade. Resignados, era isso que via. Autómatos que ignoram ou tapam a verdade com rotinas e trabalhos. Enrolou-se mais em si. Viu uma pequena joaninha, teimou em não se mexer, mas a joaninha olhava-a e sacudia as asas. A joaninha tinha pressa, a joaninha tinha asas, a dona das pintinhas não gostava de resignados.