Enrolou o papel pela décima vez. Não conseguia escrever o que queria e o que sentia teimosamente não saltava para o papel. Talvez o que tivesse a dizer não fosse passível de ser colocado num papel branco e encerrado dentro de um envelope. Talvez tivesse de falar, mas não tinha tempo e as palavras teimavam em prender-se-lhe na garganta.
Arrumou a cadeira, levantou-se e caminhou pela floresta. Naquele dia os pinheiros cobriam o céu e os castanheiros teimavam em enviar um dos seus ouriços como presente. Imperava um silêncio perturbante, daqueles só percebidos quando nós próprios estamos imersos em outro maior que o que vive à nossa volta. Agarrou num pequeno galho, de giesta, e à medida que andava torcia-o entre os dedos. Andava e andava e sentia por baixo dos pés as folhas e os ramos a estalarem. Sentiu uma estranha sensação de paz e solidão. Absorveu tudo, com os olhos, com as mãos... tudo era seu por um instante, porque tudo é nosso quando respiramos, intensamente, o que nos envolve.
O vento começou a girar e as folhas rodopiaram como num grande baile. A porta abriu-se, as folhas de papel enroladas varreram o chão e entraram no baile das outras folhas da árvore. As palavras por lá escritas, deambulavam por todo o lado. Queria prende-las, mas não conseguiu. As palavras escritas, vezes sem conta no papel, estavam soltas, encontraram eco no silêncio, viveram no vento e entre as árvores. As palavras são vento e areia, são lágrimas e sorrisos e uma vez escritas, encontram em quem as escuta, a sua habitação protectora. As palavras andam por aí...
Estou bem e tu? Peço desculpa por ter andado desaparecido, mas tenho tido imenso trabalho para fazer, nesta altura há muita gente que vai de férias e sobra muito trabalho, mas é bom não é?
E faz-me muita falta acredita, neste momento ando a poupar dinheiro para algumas coisas que quero, sei que vai ser um pouco difícil mas hei-de conseguir, eu queria saber como te sentes e como corre o teu trabalho.
Fazes muito bem, também devia de começar a sair mais de casa e não passar tanto tempo a trabalhar ou a ir até ao café, isso não é viver em condições, tudo bem que se ganha dinheiro, mas do que adianta viver a vida se depois não te divertes?
Não és só tu acredita, hoje por acaso levantei-me cedo porque tinha coisas a fazer na rua, senão tinha ficado na cama um pouco mais de tempo, esta noite fui para a cama depois das 04h.
Por causa do teu trabalho não é? O pior é quando me levanto às 04h ou às 05h, já não tenho que o fazer, mas muitas vezes acordo durante a noite e perco o sono, deve de ser da ansiedade.
Desde há uns anos para cá que sofro disso, mas nestes últimos dois anos tem sido demais, ando ansioso porque há tanta coisa que quero fazer/comprar e o dinheiro parece que não quer esticar.
Para o meu pai estou a pensar em lhe dar uma garrafa de Whisky, mas já sei que depois não a vai usar, para a minha irmã talvez lhe dê um CD de música dos Sonic Youth, no ano passado dei-lhe dois, agora para a minha não faço ideia, muito menos para o meu cunhado, quem te disse que tenho jeito com as mãos? Estou sempre a deixar cair coisas.