Como se vive numa cama branca e fria?
Calou-se subitamente, nada do que dizia fazia sentido. As ideias estavam soltas, espalhadas e pareciam desordenadas, ou então tinham uma ordem própria que ela já não reconhecia. As pessoas falavam perto dela, via no movimento dos lábios o formato das palavras, vi-as nascerem, mas não as compreendia (há um momento em que deixamos de ler os sons porque o vazio do significado apodera-se deles).
Percebeu que falavam com ela, mas não foi capaz de responder e limitou-se a abanar a cabeça sem saber se afirmava ou se negava, fê-lo mecanicamente, sem um propósito.
O que via e sentia, mesmo sem palavras, era a imagem do Luís, deitado numa cama, um leito de ferro pintado de branco, tudo branco e frio. O Luís, de olhar escondido, alheio à vida que se desenrolava ao seu redor, ausente sempre que a mulher entrava e lhe fazia uma festa na cabeça.
Ele estava e não estava, vivia sem viver.
A mulher entrava; bem vestida, a cheirar a orquídeas, e todos os dias as orquídeas visitavam o Luís, fazia-lhe a festa na testa, com a ponta dos dedos: aconchegava-lhe a roupa e contava-lhe o dia com todos os pormenores, por vezes parecia que estavam os dois ausentes e que ali só estava a cama branca, de ferro e fria, muito fria...
Quando percebia que ele lhe fazia falta, uma falta que vinha de dentro de si própria, chorava um bocadinho e voltava a fazer-lhe uma festa.
Saia e voltava no dia seguinte, todos os dias à mesma hora.
No meio estavam as pessoas que morriam e viviam, que acordavam todos os dias e iam para o trabalho, estava o Inverno e o Verão e estava o Luís, suspenso e ausente.
Naquele instante eu não estava com as pessoas que falavam, não percebia as palavras, mas sentia o respirar forçado do Luís, sentia as suas lágrimas abortadas e percebia que enquanto falavamos existiam pessoas interrompidas que vivem em camas de ferro daquelas brancas e frias.