Das roupas velhas e rotas ao canto dos tambores...
As chaves fechavam um,após outro, os pesados baús. Ela vivia um misto de tristeza, vazio e alegria, assistia a esses sentimentos passarem-lhe à frente dos olhos, um atrás do outro. Por vezes chegava a questionar-se se eram dela, aquelas imagens.Não podia deixar de ouvir, longinquamente, o rufar dos tambores.
A luta estava iminente. Durante longos anos as chaves não conseguiam encontrar o lugar que lhes permitisse selar aquelas caixas. No decorrer do tempo as roupas rotas e velhas eram empurradas para lá, para o lugar mais fundo e longínquo dos baús, mas volta e meia saiam, e ela, atarantada, desconhecia se fora ela que as não tinha arrumado convenientemente ou se eram as teimosas roupas que, obstinadas queriam sair das tumbas. Um passado não fechado torna o presente parcial, pequeno, dividido, que não se vive. Quando não fechamos, há sempre um buraco aberto, um sítio escuro que nos suga e nos impede de sermos quem, de facto, somos. Como podemos ser se temos de evitar o ímpeto para irmos para o fundo, se é esse o nosso pensamento principal. Apenas temos de conseguir aguentarmo-nos: -pensamos. Quando queremos viver escolhemos vestidos bonitos, daqueles que embelezam a alma e, por muito que nos custe, temos de arrumar definitivamente aqueles outros esburacados e pardos. Os tambores continuavam a sua luta ritmada e premonitória...
Ela deu mais uma volta às chaves,simultaneamente deixou-se cair na cadeira onde o novinho vestido rosa descansou.