Do chapéu de chuva à falta de utilidade
Parou junto de uma porta daquelas antigas de madeira, onde se consegue ver um outro mundo através das fissuras. Olhou para o chão do outro lado, para as ervas que o cobriam envolvidas pela orvalhada. Era o momento de ir, sabia que iria sem nunca sair dali, mas fisicamente estava na hora de avançar para outro lado.
O que procurava não sabia precisar, mas sabia a enorme falta e o vazio que a preenchia. Era agora, ou nunca, pensou.
Pegou na pequena mala de pele cinzenta, no chapéu de chuva e começou a andar. Era estranho ter trazido um chapéu, murmurou. Ela preferia a chuva, a andar carregada, mas hoje, precisamente hoje, tinha trazido o guarda chuva. De entre milhares de coisas que poderia trazer, escolheu precisamente esta, sem saber porquê. Ao mesmo tempo que andava, com passadas precisas e pequenas, olhava o chapéu, preto, sem graça, a pender das suas mãos brancas. Pensou em deitá-lo fora, hesitou, parou, olhou-o, ainda assim decidiu conserva-lo. O tempo estava fresco, a pender para o húmido, um pouco como o seu estado de espírito, poderíamos dizer. O chapéu não lhe era útil, mas nem sempre a utilidade, deve ser o bastante para conservarmos alguma coisa. Melhor, por vezes a utilidade é o pior motivo para mantermos o que quer que seja. O chapéu, era preto, o seu estado de espírito também o era. Mas um chapéu de chuva fechado, encerra uma enorme promessa: a qualquer altura pode abrir-se, para proteger da chuva, ou dançar com o arco-íris.