Do comboio, ao vestido de flores, e à paixão..
Encostada ao vidro da janela olhava, uma após outra, as paisagens que se sucediam. Lá ao longe pequenos aglomerados de pessoas trabalhavam a terra e mais ao lado os cães estavam agitados. Por um instante, um relampejo apenas, deixou-se estar ali com a cabeça encostada ao vidro e vislumbrou-se nos campos a correr por entre o trigo, a voar ao pé das cegonhas que agora passavam.
Trazia um vestido rodado, com florzinhas vermelhas, no cabelo um laço, branco, e corria e voava com um coração que acompanhava cada um dos meus movimentos descompassadamente, como se quisesse, também ele, saltar de si e correr, e dançar e refastelar-se por entre as margaridas que se sucediam ao trigo. Respirava um ar mágico, quase irreal. Sentia dentro de si um misto de promessa e desejo, de esperança e plenitude.
Misturado a tudo isso descobria uma força que desconhecia e que a fazia sentir como se fosse uma deusa antiga lutando por uma causa impossível. Como precisava, dessa força: pensou. Era esse combustível que precisava para que o dia não fosse apenas um dia, para que cada instante tivesse o significado de uma vida, por tão completo ser.
Respirou fundo e ouviu dentro de si um apelo de continuidade, de voracidade, de estremecimento que a obrigou a sentar-se melhor e afastar-se da janela. Era tudo tão intenso que se sentia atordoada.
Percebeu que a intensidade não estava ligada apenas a uma pessoa em quem pensava desalmadamente, nem ao trabalho, ou às pessoas que tão significavam para ela.
A intensidade que sentia, essa força que a fazia mover estava tão casada com a vida que quase se podia dizer que havia entre elas uma aliança inquebrável.
O comboio parou, tirou o laço e alisou o vestido. Teve a certeza: era paixão o que a movia.