Do pestanejar à raiva...
Deitou-se na relva e contemplou, demoradamente, o que o céu lhe oferecia. Não fazia isso desde miúda: uma nuvem que parecia um castelo, e outra que ia jurar ser um gelado. Olhar para aquelas almofadas perfeitas e em aparente movimento transportava-a para um mundo tão diferente que conseguia, por momentos, esquecer-se de si própria e de todas as agruras que os últimos tempos lhe haviam ofertado. Sentia raiva, pensou. Mas não conseguia materializar o que era a raiva.
Pestanejou nervosamente, até que fechou os olhos. Apetecia-lhe começar a bater em tudo o que se mexesse,indiscriminadamente, mas de que adiantaria, concluiu. Sentiu-se impotente, mas ao mesmo tempo envenenada, como se uma coisa má se tivesse apoderado de si e não lhe desse paz. Lembrou-se de uma música, a pequena parte de uma ária, mas, ainda assim, nem isso a sossegou verdadeiramente, pelo contrário fe-la Imaginar um piano em que não havia uma melodia, mas apenas pancadas furiosas nas teclas.
Não se mexia, porém sentia, que o calor a apertava e lhe dava uma sensação de conforto e de descanso. Sentia as gaivotas, que lhe gritavam perto dos ouvidos como se quisessem acordá-la de um sono que não era bem sono. Todos os sentimentos e sensações estavam invertidos e numa espécie de divórcio com o que, verdadeiramente, significavam. Percebeu a raiva.