Dos cogumelos à vida
Ouço os silvos do vento quando acaricia a erva verde e comprida, vejo as poucas folhas da cerejeira a despedirem-se do mundo, com a sua mortalha cor de sol. Na terra, castanha e empedrada, crescem despreocupadamente vários cogumelos brancos, arredondados e perfeitos.
Durante anos adorei esta estação porque a "caça" aos "míscaros", aos cogumelos, às castanhas e às pinhas tornavam-se numa real caça ao tesouro. Pequenos e grandes evadiam os pinhais à procura das riquezas escondidas. Essas riquezas acabavam sempre na lareira crepitante: tudo fazia parte do ritual do Outono. Era o sabor do calor, ou os outros sabores que degustávamos no prato, e que nos faziam sentir como se fossem as melhores iguarias do mundo. O calor, um calor especial, que não vinha só da lareira é o que melhor recordo e o que mais saudades me traz. Aquilo repetia-se durante todos os fins de semana de Novembro. Na altura, nunca olhei com pormenor para os cogumelos, queria encontrá-los, é certo, mas nunca olhei.
Hoje sento-me; sozinha, já não há ninguém no pinhal, olho demoradamente para os cogumelos: habitualmente nascem num aglomerado e são vários, uns pequenos, uns maiores, mas todos fazem parte de um conjunto. Essa análise, esse olhar, remete-me para o pensamento acerca da vida. Na realidade, somos como os cogumelos, não temos apenas uma vida, mas várias vidas que formam um aglomerado e fazem parte de um conjunto. Há momentos em que as vidas parecem encolher, outras que expandem, mas a vida nada mais é do que outras pequenas vidas. Pego numa cesta de verga, com tampa redonda, também de verga, levanto-me e coloco dentro dela, delicadamente, sete ou oito cogumelos que estavam escondidos entre as folhas, terei um jantar com algumas vidas que fazem parte de quem sou.