Levar luz aos poços e contemplar as rodas...
A roda do moinho iniciou devagar o seu trabalho, rotativo, e aos poucos desaparecia no pequeno poço de pedras e voltava a aparecer deixando cair algumas gotículas da água translúcida.
Fiquei fascinada com o movimento. Coloquei a cabeça em cima das mãos e apoiei os cotovelos nas rugosas pedras do poço. A roda continuava, perfeita, o seu trabalho.
Há pensamentos que são como as rodas do moinho. Umas vezes estão afogados, quase não os vemos, dificilmente os sentimos, perdem-se no poço. Outras vezes são apanhados pela roda e voltam à nossa vida, mesmo sem serem convidados, e permanecem. Ficam lá bem no cimo e a única coisa que vemos são algumas gotinhas que vão caindo, quando eles apertam com força as pequenas latinhas que temos dentro de nós. Faríamos tudo para que esses fantasminhas transparentes nos abandonassem, mas eles seguem o movimento da roda, uma vez aparecem à luz do sol e outras estão escondidos na escuridão do poço e das pedras. Pensei em atirar todas a pedras no poço e afogá-los, de vez, na fria água, mas aí interromperia o perfeito movimento da roda. A roda tem de continuar a trazer e a esconder, isso tem qualquer coisa de vital. Há movimentos que não podemos parar. Ainda assim podemos preencher o poço com mais água, com flores, fazer aberturas e deixar que o sol contemple a água, desde a sua nascente. Como pode uma água, aquecida pelo sol, desde que nasce, trazer fantasminhas? Os fantasmas só gostam da escuridão, não da luz. Levantei-me e sacudi os braços, é isso, pensei: temos de levar o sol aos poços!!