Midas e a pobreza...
Era quase noite e a lua começava a abrir a janela. Apressei-me porque a temperatura pedia uma camisola e a rua estava quase deserta. Ao pé do jardim de palmeiras, ouvi um choro, um lamento, um daqueles sons que parecem provir do mais profundo de um ser e que nos deixa enternecidos e preocupados.
Atrasei as minhas passadas tal qual se faz quando se atrasa um ponteiro de um relógio e ouvi, na minha respiração, a denúncia da ansiedade que sentia. Aproximei-me e reconheci-o, imediatamente: era o rei de Frígia(Midas). A face pálida denunciava o cansaço que o acompanhava.
Andava de um lado para o outro, chorava e falava, chorava e falava.
Viu-me e abanou a cabeça, quis que me afastasse. Tentei acalma-lo, mas fugia de mim, e andava e andava. Percebi que estava aflito porque tinha pedido a Dionísio que lhe concedesse o dom de transformar tudo onde a sua mão tocasse, em ouro. Ficou feliz no inicio, riu e fez uma festa: seria o homem mais rico de que há memória..
Porém a comida transformada em ouro, torna-se pedra, e o afecto de quem nos ama, traduzido em abraço, torna-se gelo. Midas tinha agora ouro, muito ouro, não tinha era comida, nem afecto. Escondia as mãos, porque até as lágrimas deixaram de ser lágrimas e eram pingos de ouro, quando as limpava. Tornou-se o rei do ouro, da solidão e da fome. Estava tão pobre agora... Lembrei-me do fim da estória, ele só teria de lavar as mãos em água corrente. Gritei-lhe que me acompanhasse porque ia ajuda-lo. Seguiu-me, andamos muito tempo, até encontrarmos um pequeno rio, de água azul e saltitante. Midas entrou no rio, as suas mãos brancas voltaram a ser humanas, tão humanas que me abraçou longamente. Midas tinha descoberto que sempre fora um homem muito rico, o ouro apenas lhe mostrou o que é ser pobre.