Na minha mente com pés sujos
Ele estava sentado em cima de uma grande pedra de xisto preto, vestia um casaco com xadrezes azuis e beges e, na cabeça, um boné do mesmo tecido do casaco. Era magro e o rosto desenhado pela magreza conferia-lhe um ar triste e pesaroso. Tinha uma pequena pedra na mão de que se servia para fazer riscos na pedra em que se sentara. Ao longe o mar, marcava compassadamente o tempo com os seus batimentos revoltosos e fortes. Apertou melhor o casaco e abandonou a pedra, no meio das ervas que por ali cresciam. Olhou para o azul da água, suspirou e abandonou-se a si próprio...
Dentro de si uma espiral de ideias e frases soltas enchiam-lhe a cabeça. Imaginava que várias pessoas, conhecidas, ou não, vagueavam dentro de si, vestiam o seu pensamento. Algumas atirava-lhe pétalas de flores, outras palavras, algumas até sorrisos, outras ofereciam-lhe vozes pesadas, algumas silêncios com olhares sussurrantes. Todas elas desfilavam em si, algumas tinha convidado para entrar, outras apareciam sem ser convidadas e permaneciam mais tempo do que ele queria. Viviam lá todas, dentro de si..
Aprendeu a viver com todos esses habitantes, secretos, e com todos, de uma maneira ou de outra, bebia conhecimento e aprendizagem. Assim percebeu que eles acabavam por fazer parte de si e que ele era o resultado de todos eles, pelo menos o seu conhecimento, era a síntese de tudo isso. Não o espantou este pensamento, ao invés, deixou-o feliz a descoberta e a conclusão.
O que era incompreensível, para si, era a forma que cada um escolhia para entrar e para caminhar nos outros. Alguns vinham com os pés sujos, muito sujos e por onde passavam impregnavam sujidade e negrume. Era difícil que uma vassoura conseguisse varrer e mais complicado era limpar, de vez, aquela presença ou aquela passagem.
Nunca ninguém devia visitar os outros com pés sujos, pensou...