Não vale a pena procurarmos fora, os culpados..
Hoje tentei escrever e não consegui. Pensei em tantas estórias e vozes que tenho cá dentro, mas não conseguia faze-las sair. Estavam todos num cantinho assustadas e com medo de se mostrar, ou então brincavam comigo, não sei, talvez nunca o venha a saber.
Vi-as, claramente: as ideias, as emoções e as personagens. Estavam lá todas, como sempre estiveram, só que hoje não quiseram vir à rua.
Então deixei-me estar e tentei lembrar-me de cada uma delas, e a única que me permitiu lembra-la foi a Violeta. Conhecia-a desde pequena, ela já rapariga, eu criança. Lembro-me que tinha grossas tranças pretas e que usava quase sempre uma bata com flores azuis. A mãe não lhe permitia que estudasse porque isso era coisa de ricos, dizia. E Violeta sonhava com um casamento que a libertasse dos trabalhos que a mãe todos os dias lhe dava e que a faziam andar curvada, tal a violência dos pesos que carregava. O Manuel passava todos os dias pela fonte onde ela levava a roupa branca( a mãe dizia que as máquinas não lavavam bem a roupa) e ficava por ali à conversa com Violeta. Ela achava-o simpático, mas não gostava dele. Porém, todos os dias enchia a sua cabeça com ideias de que se casasse com ele ia ser feliz, não teria aqueles trabalhos e nunca ficaria sozinha. Casou-se tinha dezassete anos, no vestido levava os sonhos e as alegrias da juventude, a esperança, mas levava-se a si. Os dias iam passando e todos os dias tinha mais e mais trabalho, tinham pouco dinheiro, não podia comprar máquinas, nem comer fora, tinha de fazer tudo, sem reclamar. Um dia encontrei-a e levou-me com ela, até à fonte, a água corria, com espuma e cheirava a sabão. Contou-me estórias de quando era pequena e disse-me, baixinho, que queria ser professora para aprender muitas letras, riu-se. No fim acabou por dizer não condenava a mãe ou o marido, por não ter seguido os seus sonhos. Dizia que sempre tinha vivido com ela e que ela, sim, era o seu pior inimigo. Durante anos não vi a Violeta. Voltei para o seu funeral, mas as suas palavras e estórias nunca as esquecerei. Não vale a pena procurarmos fora, os culpados...