Nunca sei o que quero...
(imagem retirada da net)
Nunca sei o que quero: murmurou entre o chá fumegante que agora levava aos lábios. Tinha cinquenta anos, talvez menos. O rosto era lívido e tinha poucas rugas, mas o olhar grande denotava uma tristeza e uma idade que era superior à sua face, muito superior. Olhou-a enquanto pode e tentou não sentir nada. Apenas curiosidade, justificou-se. Viu-lhe batom entre os dentes e o esboço de um leve sorriso entre os lábios quando o empregado trouxe a conta. Olhou-lhe para as pernas brancas, bonitas, esguias enfeitadas por uns sapatos azuis com flores. Viu-lhe o cabelo cheio de brilho, transpirando maciez e nunca a olhou como um todo. Quis saborear-lhe os pormenores, descobrir-lhe recantos, namora-la sem ela saber. Antever-lhe a respiração e adivinhar-lhe o perfume. Quis tanto de uma pessoa que não conhecia, tão depressa como se quer de uma obra de arte imortalizada, mas com um mundo a descobrir. Quis tudo dela, ainda que não imaginasse tudo o que ela era.
Indiferente a essa contemplação ela lia o jornal com a chávena na mão e ia murmurando várias palavras, que ele nunca ouvia. Não eram as palavras que lhe interessavam, era ela toda, era o seu mundo.
Ela arrumou o jornal em cima da mesa e levantou-se. Ele atrapalhou-se, levantou-se e sentou-se, atirou com a cadeira para o chão agarrando-lhe a mão quando ela passou. Eu sempre sei o que quero: disse-lhe vendo-a pela primeira vez como um todo.