O cadeirão: Tudo igual sem estar
(imagem retirada da net)
O cadeirão: Tudo igual sem estar
Na penumbra da sala o velho cadeirão jazia, vazio e sem o colorido dos ocupantes que por ali se sentavam. Parecia mais pequeno, dir-se-ia, até, que tinha encolhido e, no entanto, tudo estava igual, sem estar.
Lembrava-se das noites em que a música não o deixara pensar e aturdido ria levado pelo ritmo das conversas que eram tão envolventes que o deixavam seguro, animado e vivo. Lembrava-se do dia em que a conhecera.
Trazia um vestido azul, um azul forte, e uns sapatos pequenos e beges. Viu tudo sem nunca lhe olhar para o rosto. Fez durar o momento, a excitação de descobrir, só depois um rosto. Quis conhecer tudo antes; e atentamente, procurou a voz, viu os desenhos da anca e do peito, adivinhou-lhe o sorriso, acariciou-lhe as mãos com o olhar. Perdeu-se na expectativa e no que descobria, deixou de estar seguro e teve medo. Sentiu-se tremer e teve de se sentar. Continuou a não lhe ver o rosto e agora o olhar prendeu-se nos pés, nos pequenos pés delicados e quietos.
Sentiu com a mão o tecido do cadeirão e deixou-se estar quieto a sentir, apenas a sentir. Um riso sonoro desinquietou- o e soltou-lhe o olhar: viu-lhe o rosto e tudo o que temia aconteceu. Gostara dela antes de a conhecer, gostara desde sempre, procurara- a desde que se lembrara e o rosto apenas confirmava a definição do sonho. Dançaram tantas vezes perto do cadeirão, que tudo via, impassível, mas presente.
Recordava-se das tardes de Domingo em que se sentavam nele com a chávena fumegante na mão e os sorrisos a voar. Tudo estava igual, sem estar...