O céu numa lata
Acordou cedo, com uma ansiedade própria de quem tinha algo importante para fazer. Correu pelas escadas, caminhou pela rua, ainda deserta, e entrou no beco onde ficava a casa da tia de Maria. Era um beco iluminado onde todas as casas tinham pequenas flores azuis nos parapeitos das janelas.
Sempre que a amiga ficava na aldeia era em casa da tia que Maria, ficava. Ela gostava de Maria desde que eram pequenas e nem o facto da amiga ter ido viver para a cidade fez com que se afastassem ou gostassem menos uma da outra.
Bateu levemente e foi a tia que abriu a porta, com ar choroso e triste. Estranhou encontrar a tia de Maria com aquele semblante. Desde que se lembrava ela era alegre e descontraída e muitas vezes acompanhava-as nas risadas e nos passeios. Acompanhou-a para a sala onde Maria se encontrava e não disse uma palavra. Viu a amiga, na penumbra, com rosto magro e com uma expressão muito abatida. Abraçou-a longamente e , Maria,começou a chorar. Contou-lhe que tinha uma doença rara, que nunca mais poderia ver luz e que os pais tinham decidido que o melhor seria ficar durante uns tempos com a tia, porque tudo ali era mais sossegado.
Ficou quieta, sem falar, com mil coisas a caminharem no seu pensamento. Quis saber tudo, perguntou várias vezes se havia cura e Maria, repetidamente, respondia que não. A partir desse momento em que a amiga lhe contou o seu destino(um fado sem luz, confinado às paredes de uma casa) ela voltava todos os dias e todos os dias tentava que Maria sorrisse. Maria abraçava-a sempre e era, para ela, o melhor momento do dia aquele em que a amiga a visitava.
Um dia, depois de uma luta de cocegas, que as levou ao riso a amiga perguntou a Maria o que é que ela mais desejava. Maria, sorriu, e respondeu-lhe: - Podes apanhar o azul do céu e trazeres-me? (piscou-lhe o olho).
A amiga ficou pensativa, não dormiu nessa noite a pensar no desejo de Maria, mas no dia seguinte subiu a um pequeno monte e pediu ao céu que entrasse dentro de uma lata porque a amiga precisava dele para melhorar.
O céu vaidoso, mas cândido entrou na pequena lata que ela lhe oferecia. Ficou quieto e deixou-se estar enroladinho até que a tampa se soltou e ele viu os olhos mais bonitos que existiam. Nesses olhos viviam os sonhos de uma menina que queria crescer e da amiga que nunca desistiu de querer apanhar o céu para lhe dar.