O preço ou o valor das coisas?
Chegava ao café do Senhor Alberto ainda cedo, sentava-se na cadeira perto da porta, folheava os jornais e esperava que o Inácio chegasse. Há muito que iam juntos para o trabalho. Ela simpatizava com Inácio, mas não podia dizer que gostava dele. Na realidade o colega era um hábito, alguém que a impedia de começar o dia sozinha.
Assim que chegava Inácio atirava-lhe com um bom dia mal disposto, pedia um café e sentava-se desajeitadamente na sua mesa. Ela alinhava os jornais, olhava de lado para ele que começava a falar, imediatamente.
O monólogo habitual tinha sempre o mesmo tema: o preço das coisas. Contava sobre o filho, dono do melhor computador, acerca do carro que tinha custado muito dinheiro, nas férias à Indonésia que tinham custado "os olhos da cara", no café cada vez mais caro, no sofá que ia comprar para o Natal e que era o mais dispendioso de todo o prédio. Nem o vizinho Fernando,empresário na área das carnes, tinha um tão caro, dizia ele.
No fundo ele coleccionava coisas caras, pensava ela. Era um coleccionador de nadas.
Ouvia-o, esboçava um leve sorriso, calava-se. Todos os dias era o mesmo enfadonho rol de palavras, a mesma ladainha sobre coisas, sobre preços. Uma conversa que escondia, o vazio em que Inácio se encontrava. Um desenrolar de palavras que não tinham um eco seguro, que apenas desfilavam, à frente de todos, mas onde não existia cor. Ela via claramente isso, mas deixava-o viver aqueles momentos de garantida satisfação. Isso aconteceu durante anos.
Um dia, era um dia de chuva, tenho a certeza. Ele falava sobre a roupa que o filho tinha, comprado no dia anterior.
- Só a camisola tinha sido quase o valor de um salário mínimo, esclarecia ele. Nesse dia ela sentiu uma perturbação que desconhecia, tentou tapar a boca com a mão, prender as palavras que ameaçavam sair, mas não conseguiu e quando se apercebeu já o olhava nos olhos perguntando-lhe em tom indignado: - E o valor da camisola e o valor de tudo o que tens? Sabes qual é? É que o valor é muito mais elevado que o preço, não te parece? O que tens tu que realmente seja valioso? Inácio calou-se, colocou o café de lado, baixou os olhos e caíram-lhe lágrimas sobre o fato elegante. Ela ficou incomodada, olhava para o chão, inquietava-se com o som que as suas palavras ainda produziam. Um som duro, cortante, demolidor.
Ao fim de um tempo, que pareceu longo, ele respondeu-lhe: Aquilo que tenho mais valioso na vida são os momentos que passo contigo, todas as manhãs, mas esses não têm preço. Esses não te consigo dizer quanto custam. Sorriram os dois e foram juntos para o trabalho, naquele dia, como verdadeiros amigos.