Podemos sempre escolher outro caminho?
Recordo sempre a imagem de um certo hipnotismo de cada vez que passava diante de uma encruzilhada. Não sei bem exlicar, mas sentia que a convergência de caminhos representava o centro do mundo, talvez do meu mundo, e me fazia sentir, sempre, que tinha várias possibilidades. Os anos foram passando continuei a passar em várias encruzilhadas e o sentimento manteve-se. Apesar disso comecei a ver, neste cruzar de caminhos coisas que ate ali, achava impossível. Uma delas é o de conseguir visualizar,no início de cada caminhada o que calçaria para percorrer cada um deles.
É estranho porque estou no meio de um pinhal(porque essa é a encruzilhada onde passo mais vezes) e vejo no chão os adereços necessários para percorrer cada um dos quatro caminhos.
Num estão uns sapatos vermelhos altos e de "salto agulha", no outro uns ténis confortáveis, no terceiro uns chinelos e no último umas botas. Os sapatos vermelhos são lindos e elegantes e quase nem olho para os outros, ponho-me a calcorrear por ali fora, mas rapidamente os pés doem, o salto parte, e acabo por cair no chão. Arrependo-me desta escolha.
Volto atrás e escolho os ténis, desta não vou errar, penso. Começo novo trajecto, cheia de alegria, mas a chuva começa a cair e rapidamente os pés ficam atolados, feridos por estarem tão molhados e as lágrimas lutam com a chuva por um lugar na minha face.
Volto de novo à encruzilhada: desta vez, são as botas as escolhidas. Certa de que agora o dilema foi superado, esboço um sorriso, (daqueles que iluminam o sol) e recebo um forte e quente cumprimento. Fico com tanto calor que é impossível manter as botas. Estou cansada e os pés doridos.
Regresso e olho para os chinelos. Desta vez não pego neles, apenas olho, um namoro discreto, medroso. Levanto os olhos e percorro o caminho apenas com o olhar. Decido-me a seguir descalça e deixo os chinelos de lado. No inicio os pés doem, começam por sangrar, mas a pouco e pouco eles calçam-se de terra e pedras e é difícil distinguir pés, pedras e terra.
Olho para o cume dos pinheiros, esqueço-me dos caminhos que antes escolhi, ignoro as cicatrizes nos pés e no coração. As árvores competem com os meus passos e aos poucos o caminho vai-se tornando muito promissor. Podemos sempre voltar à encruzilhada e escolher outro caminho?