Regresso
Deitou-se sobre a relva ainda molhada pela respiração da maresia. Deixou-se estar quieta com as mãos brancas sobre o verde. Conhecia de cor aquela sensação de ter as mãos sobre algo que não lhe pertencia, mas que de alguma forma era parte de si. Semiabriu os olhos, mas a luz que começava a brincar com o novo dia impediu-a de terminar. Continuou quieta, no escuro, e viveu dos barulhos que a rodeavam. Ao longe o rodopio das cotovias que disputavam os melhores lugares para fazerem os ninhos, o sussurro do vento que passeava pelo seu cabelo, enquanto namorava as folhas da figueira. Um mundo dela, tão dela. Uma perfeição tão peculiar, que se diria ser o expoente máximo da imperfeição. Sabia que os rios nunca seguem um único trajeto, que as marés são oscilantes e que as estrelas só vivem, realmente, nos dias em que se deixam ver. Espantava-se por ainda acreditar que alguém a encontraria sobre a relva verde, molhada, e com um olhar conseguiria entender, sem esforço, os sorrisos encobertos, os sonhos viajantes, a vida que lhe pulsava em cada entranha com a força de uma fonte que jorra em cima de pedra cor de terra. Espantava-se por acreditar que tinha voltado a si.