Sapatos apertados e que não servem...
O charco de água devolvia a imagem de alguém que hesitava em atravessar para o outro lado, os sapatos pretos e elegantes estavam parados mesmo à beira da água. Passou as mãos pelo cabelo e manteve-se quieta sem saber se havia, ou não, de saltar por cima da água e continuar o caminho. Ao longe uma figura feminina acercava-se, era alta, esguia e à medida que se aproximava enchia o espaço de aroma, alegria e de uma enorme paz. Olhou-lhe para os pés, e estremeceu quando viu uns chinelos, castanhos, de lã e que ameaçavam, a todo o momento rasgar-se.
Não pode deixar de sentir uma certa alegria. Uma mulher tão bonita, elegante com um chinelos velhos: pensou para si. Enganou-se a si mesma pensando, por um momento, que era muito melhor que a outra porque tinha uns sapatos elegantes, que não saiam do mesmo sítio.
Indiferente a este tipo de pensamento a mulher esguia, de sorriso na alma, perguntou-lhe se precisava de ajuda para atravessar. Conversou com ela, longamente, e ajudou-a, a vir para junto de si. A hesitante não conseguia dizer nada porque a vergonha pela inveja e a satisfação causada pelo pensamento dos chinelos pesava-lhe, como um saco carregado de chumbo.
Tirou os sapatos,vagarosamente, e ofereceu-os à sua recente amiga.
Ela sorriu e contente tentou calça-los, mas por muito que tentasse estes não lhe serviam. Os seus pés eram diferentes, tinham caminhado muito, estavam cansados de sapatos elegantes e desconfortáveis. Queriam apenas uns chinelos, largos e quase rotos que lhe permitiam caminhar com convicção e paz. Os sapatos não serviam porque a forma dos pés, o caminho que tinham percorrido e as escolhas eram diferentes. Ela devolveu os sapatos nunca deixando apagar o sorriso. Continuou o caminho, com os chinelos e, por onde quer que passasse tudo se enchia de brilho e serenidade.
A hesitante olhou para o charco, que já tinha saltado, e percebeu que os sapatos são como a e que as formas são todas diferentes. Ninguém consegue calçar e sentir-se bem com aquilo que não serve, as feridas causadas por quem tenta faze-lo são muito dolorosas.
Apanhou uma pequena pedra, que fez cantar no charco, e por ali ficou até que o céu apagou a lanterna.