Desde que se conhecia que era triste. Não triste daquelas tristezas de sorriso, ou lágrima ou das de cara fechada ou aberta. A tristeza dela era existencial, profunda e colava-se a si como a pele.
Por muito que sorrisse ou tentasse enganar-se a tristeza não se ia embora e moldava-lhe os actos, minava-lhe a confiança e fazia-a ser diferente do que era a sua natureza.
Passeava pela rua, alheia ao que a rodeava, com o lenço azul a esvoaçar no pescoço e a mala, que sempre carregava na mão, como se estivesse em permanente viagem.
Na rua onde ela andava, habitualmente, parecia não haver mais ninguém, só sons de fundo, indistintos a que ela não dava muita importância. Naquele dia, contudo, houve algo que a trouxe de volta à rua repleta de pessoas, com conversas vivas e sons presentes.
Viu a cara mais triste que a vida já lhe tinha dado ver, sentiu naquela cara a sua tristeza. Viu-o magro encostado a um muro, com uma pasta na mão. Os olhos no chão e o impasse em avançar, ou não. Apressou o andar, chegou perto dele, perguntou-lhe as horas para lhe ouvir a voz. Demorou a responder talvez porque também ele andasse perdido na rua onde não havia ninguém.
Escutou-lhe uma, a uma, as palavras e confirmou a tristeza dele. Puxou-o para si e deu-lhe um abraço. Ela sabia, melhor que ninguém o que era a tristeza e por isso não podia deixar que ele também a sentisse.
Ele olhou-a desconfiado, mas simultaneamente um sorriso desenhou-se no rosto magro e encovado.
As pessoas tristes tentam sempre fazer os outros felizes porque só elas sabem o que é ser triste...
Estava deitada na margem do rio, bem perto do local onde o rio se torna mar, onde deixa a infância e se torna adulto. O sol estava quente e deixava-me num torpor que me fazia manter deitada. Senti alguns passos e levantei lentamente a cabeça. Ao pé de mim estava Admeto que me olhava com um sorriso. Sentou- a a meu lado e ficamos de olhos fechados a falar de tantas coisas que é impossível lembrar-me de todas. Admeto era amável com todos o adoravam. Contou-me que Apolo lhe tinha pregado uma partida e se tinha feito passar por um dos seus súbditos para ver como ele os tratava. Como gostara do que vira concedeu-lhe duas benesses: Casá-lo com uma boa rainha e dar-lhe uma nova vida quando estivesse a morrer.
Contou-me que casaria na próxima semana e quis que eu estivesse com ele. O casamento foi lindo, Alceste era bonita e boa. Acompanhei aquele casamento durante anos e havia harmonia e amor. Os dois eram bondosos e todos gostavam deles.
Um dia, porém, Admeto adoeceu subitamente e lembrou-se da promessa de Apolo, de uma nova vida. Apolo confirmou-me e combinou tudo com a Morte. Mas esta perniciosa e matreira, exigiu que alguém morresse para que Admeto vivesse. Todos concordaram que seria fácil, porque ele era tão bom e todos gostavam tanto dele que alguém morreria por ele. A verdade é que nem os pais, nem nenhum dos súbditos se quis sacrificar. Alceste foi aquela que foi ter com a morte e preferiu partir a ficar sem Admeto.
Admeto deixou e todos deixaram que Alceste o fizesse. Os egoísmos ficaram a dançar por entre aquele reino.
Hércules comoveu-se com a tudo aquilo e foi resgatar Alceste. Alceste voltou, mas nunca mais disse uma palavra. A visão do outro mundo ou do que se esconde por baixo da pele humana emudeceram-na.
Tinha compreendido que o amor e a morte, a generosidade e o egoísmo, a coragem e a covardia se entrelaçam, são inseparáveis, para formarem essa figura complexa, rica e imperfeita que é todo e qualquer ser humano.