É contigo que tens de viver...
Man and woman at the cafe (1903) Pablo Picasso
Entraram e ela escolheu a mesa no andar em cima, mesmo em frente à porta de vidro. Cá fora dois rapazes estavam sentados na esplanada e discutiam os desenhos que um deles tinha na camisola preta. Riram-se e continuaram animadamente a sua conversa.
Ele pegou na lista e olhou-a introspectivo. Não me apetece pensar, disse ela, por isso escolhe tu.
Não se lembra do que ele pediu, mas escutava as palavras dele. Cada uma delas, enfileiradas, perspicazes e acutilantes. Não as entendeu logo, mas à medida que bebia a cerveja emprestada e vestida de gelo, começou a senti-las dentro de si. Vivia as palavras e elas passaram a ser dela. Não sabia explicar a razão, mas pressentia dentro dela uma mudança, uma espécie de grito que estava abafado à espera de ser solto. Ele pousou a mão nela e voltou a repetir-lhe: - A tua consciência terá sempre mais peso do que a opinião do mundo inteiro. É contigo que tens de viver. Ouviu-o outra vez. Ficou muda com o copo na mão e com a efervescência a descer- lhe pela garganta. Sentia-se a andar, mesmo estando sentada.