As palavras por vezes têm de sair...
As palavras evadiam-lhe a boca como um torrente de água que nenhum dique consegue travar. Por mais que tentasse elas tinham vontade própria e eram resultado de um longo envenenamento interior. Ele olhava-a e respondia sem saber bem como, mas nada a travava. Os olhos brilhavam-lhe de raiva, o tormento que passara durante os últimos anos tinha sido transformado em sons e palavras e agora, nada os podia travar. Não sabia para onde ir, mas sabia que não podia mais ficar calada. Era impossível faze-lo e continuar ressentida. Não sabia o que a esperava a partir dali, não previa nada de fácil, nem de bom, mas calar o sentia era fazer com que se mantivesse cativa e disposta a que continuassem a servir-se dela.
Os interesses sobrepõem-se muitas vezes aos sentimentos. Os interesses aguçam quase sempre os egoísmos e o que há de pior em nós, pensou. Há uma corrida desenfreada, para conseguir mais, para ser melhor e para isso não interessa que os outros se magoem ou sejam suprimidos. Interessa servir-se e descartar.
Finalmente as palavras começaram a faltar-lhe, assim como lhe faltaram, também, as lágrimas. Sentia-se livre, ao mesmo tempo culpada por ter dito tudo. Durante toda a vida, sempre se sentira culpada. Todos sabiam disso e faze-la sentir ainda mais era o seu maior trunfo. As palavras acabaram e deixaram instalar-se o silêncio...