Do homem e da sua fusão com os espaços. Já sentiram alguma fusão?
Quando era pequena havia uma lojinha de aldeia onde eu sempre ia. Todos conheciam o dono por Senhor Fernando da loja. Não sei quando tinha começado aquela associação, mas a loja era o Sr.Fernando e o Sr. Fernando era a loja. Ele trabalhava todos os dias naquele lugar. Mesmo aos Domingos o encontrava lá. Desconhecia as palavras férias ou dias de descanso.Já estava velhinho e ainda mantinha aquela rotina e aqueles hábitos. Ele gostava do que fazia e aquilo deixou de ser uma obrigação ou um trabalho. Passou a ser ele próprio. Parece-me que houve um momento, não sei bem quando ou como, em que uma coisa se fundiu na outra e eram um só. Penso, até, que espaço e homem respiravam apenas um ar.
Hoje quando passeava numa rua movimentada de Lisboa, vi uma drogaria que me fez lembrar o Sr. Fernando da loja porque o homem que estava ao balcão tinha todo o ar de se ter misturado com o espaço. Não consigo perceber com exactidão se as pessoas que se fundem com os trabalhos, com os outros,o fazem por conformismo ou por amor. É que também é possível amar um trabalho e um espaço, é provável sentirmos que as lágrimas nos visitam quando temos de deixar aquilo que gostamos, seja lá o que for.
Não é à toa que há muitos velhinhos que morrem quando lhe tiram estas fusões e os fecham em casa.Tiram-lhes metade dos pulmões. Já se sentiram misturados com alguma coisa a ponto de serem indissociáveis?