E tu esperas, aguardas a única coisa que aumentaria infinitamente a tua vida; o poderoso, o extraordinário, o despertar das pedras, os abismos com que te deparas.
Nas estantes brilham os volumes em castanho e ouro; e tu pensas em países viajados, em quadros, nas vestes de mulheres encontradas e já perdidas.
E então de súbito sabes: era isso. Ergues-te e diante de ti estão angústia e forma e oração de certo ano que passou.
Rainer Maria Rilke, in "O Livro das Imagens" Tradução de Maria João Costa Pereira
Tenho uma teoria que é: Já que a insónia me faz companhia eu tenho o dever e a obrigação de lhe proporcionar o melhor entretenimento. Sendo assim decidi oferecer-lhe um dos filmes que me vão indicando e a escolha recaiu sobre o TheDressmaker.
Apesar de não considerar que seja um filme brilhante deixou-me a pensar em duas questões que partilho:
A primeira remete-nos para a questão do preconceito, será este capaz de matar sonhos e vidas?
A segunda, não menos importante, está relacionada com o ideia de que, dentro da sociedade, o ostracismo pode passar de pais para filhos. Será que herdamos os ódios que já tinham aos nossos pais?
Se há filme que eu já vi várias vezes e sempre me deixa desconcertada a cada nova vez que assisto é, sem a menor dúvida, Persona(A Máscara). No meio da complexidade da relação que se estabelece entre enfermeira e doente o que sempre me fascinou( e que é o motivo pelo qual escrevo) prende-se com a postura silenciosa de uma das personagens da história. Uma actriz consagrada decide um dia, calar-se. Este silêncio veste-se de uma espécie de pânico no que concerne ao que é/ou foi proferido. Ela percebe que a palavra é de tal forma poderosa que lhe permite criar vidas sobre vidas(das personagens que interpreta), chegando ao ponto de já não saber qual é a sua, nem qual a sua identidade. Isto é de tal forma perturnador que ela fecha-se em si mesma e emudedece.
Lembro-me que Nietzsche escreveu também, penso que no livro a Verdade e a Mentira no Sentido Extra Moral, que as palavras existiam apenas para estabelecer uma espécie de paz social, mas que, na realidade, não havia um pingo de verdade na linguagem.
Sendo assim é estranha esta relação que temos com a expressão(falada e escrita) porque ela não traduz aquilo que de facto,
sentimos, ou então mostra de forma errada. Temos de procurar outros caminhos como sejam a arte e a natureza que sempre nos dão lições de verdade e de beleza. Devemos também perscrutar em nós, no silêncio ruidoso que é o nosso espaço interior, a "nossa" verdade. Há, de facto, no silêncio e no não dito um regressar ao que de mais puro existe no nosso âmago e que temos, forçosamente, de encontrar. Chiu vamos calarmo-nos, por um momento?
O que há em mim é sobretudo cansaço — Não disto nem daquilo, Nem sequer de tudo ou de nada: Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis, As paixões violentas por coisa nenhuma, Os amores intensos por o suposto em alguém, Essas coisas todas — Essas e o que falta nelas eternamente —; Tudo isso faz um cansaço, Este cansaço, Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser...
E o resultado? Para eles a vida vivida ou sonhada, Para eles o sonho sonhado ou vivido, Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... Para mim só um grande, um profundo, E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço, Íssimno, íssimo, íssimo, Cansaço...
Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa