leve
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O dia no trabalho acabou cedo vestiu, à pressa, o blusão em pele e correu pela escada de mármore cinzenta.
Chegou à rua parou e olhou as árvores que se agitavam, ficou um instante assim, a perceber se era dia ou noite e se as árvores falavam com ele ou com os outros. Atravessou a estrada, com passo apressado e bem medido, sentiu o cheiro das castanhas assadas e ouviu os risos das crianças que agora deixavam a escola.
Parou novamente e sentiu-se impaciente e sem vontade de voltar a casa. Ecoavam-lhe ainda as palavras que a Rita lhe dissera dois dias antes. Não a tinha visto desde esse dia e tinha passado as noites no carro.Tinha, no entanto, de voltar e ao mesmo tempo que ansiava vê-la, sentia-se magoado, receoso e experimentava a sensação de que o seu corpo era puxado para não voltar.
Conhecera Rita, na secundária, nunca mais se largaram. Cresceram juntos e descobriram os horizontes que a vida tinha guardado para eles. Tantas coisas que viram, tantas e tantas noites que não conseguiram dormir porque a promessa do que viria era maior do que o sono. Agora a ausência de sono tinha outra coberta, outra peça que corroía e que o massacrava.
Uma ideia, várias ideias que lhe pesavam, que o não deixavam continuar.
Agulhas e agulhas (pensava em agulhas a espetarem-se na pele), há dois dias que as agulhas não o largavam.. a Rita espetara-lhe agulhas, pensava. De certa forma era isso que sentia.
Ia perdoar-lhe tinha de o fazer, mas perdoar não era concordar com o que lhe tinha feito, não era abanar a cabeça e consentir. Perdoar era libertar-se das agulhas; das feridas e dos pesos, perdoar era abrir os braços e sentir que estava leve.
Escreveu-lhe uma mensagem: -como me encontras quando as agulhas me ferem a pele?
Ela respondeu, de imediato: - na pena de uma ave que se soltou e que agora navega no vento. É aí que vive o perdão e, é aí que te encontrarei.