Diz Platão: "Quem o vir, não reconhecerá facilmente a sua natureza primitiva, devido ao facto de, das partes antigas do seu corpo, umas se terem quebrado, outras estarem gastas, e todas deterioradas pelas ondas, ao passo que outras se sobrepuseram nela — conchas, algas ou seixos — de tal modo que se assemelha mais a qualquer animal do que ao seu antigo aspecto natural" Platão, A República, Livro X, 611 d., 9. Lisboa: ed. Gulbenkian, 2001, p. 480.
Encontrei Atlas vagueando num planalto de trigo. Estava dobrado e uma ruga funda atravessava-lhe a testa. Não me reconheceu logo, mas quando me aproximei saudou-me e desenhou um sorriso nos lábios.
Falamos longamente e via que se contorcia com dores. O mundo era pesado, disse-me quando me viu olhar. Sabia do castigo de Zeus e tinha noção de que Atlas estava condenado a carregar nas suas costas o peso do mundo, para sempre, ainda assim pensava em algum modo de o aliviar. Falava-lhe de aves raras e do mar, mas ele não me ouvia. Era o peso que lhe roubava a atenção. Caminhamos de mãos dadas. Eu, Atlas e o mundo. Mas não me senti bem,o peso dele começou a evadir-me e encontrei-me fraca e sem forças.
Estava quase a sentar-me no chão quando Hércules se aproximou, muito simpático e sorridente pedindo a Atlas que lhe colhesse as maçãs de ouro e que em troca ele lhe segurava o mundo.
Atlas estava tão cansado que aceitou prontamente.Nunca o tinha visto tão alegre. Correu, pulou e puxou-me para dançar-nos no meio do trigo. Rimos de tudo e de nada.
Assim que avistamos as maçãs corremos a colhe-las e entregamo-las a Hércules. No entanto, assim que lhas entregamos Hércules voltou a colocar o mundo nas costas de Atlas e fugiu. O peso voltou.
Ninguém pode carregar o mundo sozinho, pensei. Estava quase a oferecer-me para dividir o peso com Atlas, mas o deuses libertaram-no do peso do mundo e castigaram Hércules.
Os pesos do mundo vão sendo carregados por quem verga a cabeça e os aceita.
Em todos os campos as pequenas fogueiras proliferavam. Prometeu roubara o fogo aos deuses e ofereceu-o aos homens. Atrás de um arbusto olhava para as fogueiras e temia a ira dos deuses. Prometeu estava perto e via-o gesticular, devagar veio sentar-se perto de mim e deixou-se ficar. Vimos chegar Pandora( todos os dons) e percebemos, imediatamente, que seria ela que se vingaria dos homens. Percebia-se através das suas feições minuciosamente trabalhadas por Hefesto que ela fora concebida por todos os deuses e de todos tinha recebido um dom. Deixamo-nos ficar, quietos apenas a observar o que ela fazia. Andava elegantemente, com uma enorme caixa debaixo dos braços quando se cruzou com Epimeteu, irmão de Prometeu. Este tentou levantar-se, mas eu não deixei porque tive medo que os Deuses o vissem e se zangassem. Ele sentou-se, intranquilo por ver a sedutora Pandora abraçar o irmão.
Soubemos que tempos depois os dois se casaram e que Pandora, sem se lembrar das advertências, do pai para não abrir a caixa que ele lhe oferecera deixou escapar todos os males. Por todos os cantos proliferaram as guerras, as mentiras, as doenças, o ódio...
Disseram-nos que Pandora ainda tentou fechar a caixa, mas era tarde e apenas a esperança se conservou no fundo. Será a esperança, sozinha, que ajudará os homens a vencer todos os males do mundo.
A penumbra já me envolvia quando iniciei o meu passeio de fim de dia. Admirava os lampiões que iluminavam a rua quando vi Afrodite a correr saindo da casa de Ares para entrar na sua. Não me pareceu estranho porque Ares era irmão de Hefesto e cunhado de Afrodite, mas a corrida fez-me pensar que haveria qualquer coisa que não estaria bem. Ainda assim continuei o meu passeio e esqueci o acontecimento até que no outro dia, pela mesma hora me chamaram para ir a casa de Ares. Estavam lá todos o deuses e na cama; presos por uma malha de ferro, tecida por Hefesto, estavam Ares e Afrodite.
Percebi tudo, assim como todos os Deuses: Afrodite e Ares não resistiram à paixão que nutriam um pelo outro e Hefesto descobriu. Os deuses ficaram zangados e aquela traição nunca iria ser esquecida. Hefesto amava Afrodite e penso que Afrodite também o amaria, mas a paixão foi superior ao amor.
Quando a rede foi tirada ofereci um lençol a Afrodite que me agradeceu e abraçou. Estava envergonhada e perdida e durante algum tempo ninguém a viu. Porém; passado um tempo, ela bateu-me, levemente, na porta queria apresentar-me a pequena Harmonia, sua filha e de Ares. Era linda a Harmonia : peguei-lhe ao colo e senti nas mãos o equilíbrio entre o amor e a paixão.
Hércules chegou ainda o Sol se penteava. Bateu na porta, devagar, e esperou que eu chegasse.
Tínhamos combinado ir passear pelas margens do rio e conversar um pouco. Assim que desci as escadas encontrei-o sorridente e bom bom aspecto. Trazia uma sacola com uma merenda e uma enorme túnica. Começamos a caminhar e fomos conversando e rindo até que chegamos a um caminho estreito e Hércules (que seguia primeiro) não conseguiu passar. Uma aporia barrava-nos o caminho. Ele tentou pisa-la, mas cada vez que isso acontecia ela ficava maior. Não sabíamos o que fazer. Olhamos um para o outro, intrigados e assustados.
Já passava das 10:00 horas quando Athena veio em nosso socorro. Explicou-nos, então, que a Aporia é um daimon da dificuldade e que se for deixado sozinho ele, naturalmente, diminuirá o seu tamanho, mas se o ultrapassarmos e seguirmos o nosso caminho, ele diminuirá de tamanho. Se decidirmos combate-lo ele será sempre maior porque a sua finalidade é impedir a nossa progressão.
Sorrimos todos, Hércules pegou-me na mão e puxou-me para outro caminho onde os lírios começavam a florir. Contornar e ultrapassar por vezes é a melhor forma de vencer...