Sentou-se com esforço na sala de espera, onde uma dúzia de pessoas aguardava. Percebeu no momento em que olhou para os pés e viu uns sapatos quase novos (apesar da idade que tinham) que tinha passado os últimos anos à espera.
Não sabia bem o que esperava, mas sabia que esperava. Levantou os olhos e encantou-se com uma pena de pássaro que dançava contra o vidro da janela. Lembrou-se dos tempos de menina, na aldeia, em que conhecia de olhos fechados todos os pássaros e os seus nomes. Ouviu-se a sorrir e a correr para ver em que árvore eles iam pousar.
Nessa altura não havia esperas porque havia tanto para saber e para descobrir que esperar era matar o conhecimento. Mas o conhecimento nunca cessa, por isso porquê esperar ao invés de descobrir, pensou. Alguém pronunciava nomes, apenas nomes e ela continuava a admirar a dança da pena, que nesta altura lhe parecia de pardal. Mexeu-se na cadeira, cansou-se de esperar.
Sem saber a razão encaminhou-se para a rua e colocou a mão na janela. A pequena pena descansou na sua mão.
Tinha de descobrir a que pássaro pertencia. Era urgente voltar a ler os seus livros, deixar a espera e entregar todas as penas ao bailado dos vidros.
Corria entre os carros estacionados em cima do passeio. Todos os dias lutava contra o relógio que marcava impiedosamente a passagem de mais um minuto. Não chegou atrasada, mas quase. Vieram-lhe à memória todos os dias em que tentava chegar a tempo. Sentia que todos os dias subia uma montanha para, novamente, a descer. Todos os dias o mesmo ritmo, as mesmas coisas com o único objectivo de alcançar o cimo da montanha.
Escapava-lhe algo, pensava, ao mesmo tempo que analisava as filas de números impressos no papel.
Passou de papel em papel, de número em número até que a lista praticamente se extinguiu. Amanhã havia mais, suspirou tristemente. Arrumou a cadeira, pegou na carteira castanha e saiu. De novo teria de descer a montanha. Saiu pelas portas de vidro e já na rua olhou admirada para os narcisos já em flor. Já estariam assim há alguns dias assim,mas ela não o sabia.Estava tão ocupada em subir e descer a montanha que se esqueceu de olhar em redor e ver a vista. E a vista é, por vezes bem mais importante do que subir e descer.
tomba um pedaço de tempo, que nos lembra que temos cada vez menos do tempo
Cada vez que uma folha cai...
esquecem-se os segredos que o vento ciciou, numa esperança vã de prolongar estórias
Cada vez que uma folha cai...
no seu corpo frágil e crepitante morrem as memórias de Primaveras grávidas de vida;de promessas que nunca se concretizaram, de sonhos coloridos e definidos, com contornos sorridentes e esperançosos
Cada vez que uma folha cai...
acaba e começa a vida, renovam-se amores, chora-se, ri-se, por entre um cansaço de corpos que não param de caminhar
Cada vez que uma folha cai...
um rosto gelado procura o calor do toque, que não conhece há muito
Cada vez que uma folha cai...
um grito surdo promete uma liberdade encasacada
Cada vez que uma folha cai
há um laço que se solta e que nos faz correr atrás do que não conhecemos...