Remotamente ouve-se as vozes das lembranças que ecoam longínqua mente. Sabemos, sabemos sempre que uma vez que as moiras cortam o fio nos resta apenas as imagens esbatidas, as vozes afastadas e os sentimentos, apenas esses se adensam. Chorei por todas as pessoas que perderam a vida, este fim-de-semana, mas sobretudo pelas que ficaram e têm de se reconstruir e encontrar forças para começar outra vez sem aquilo e sem aqueles que as norteavam.Perder é difícil, mas ficar sem quem amamos é atroz. É nestes momentos que questiono a finalidade da vida, as crenças, a razão do sofrimento. A minha vontade era ir ao encontro daqueles que precisam e ajuda-los a todos...
Desde que se conhecia que era triste. Não triste daquelas tristezas de sorriso, ou lágrima ou das de cara fechada ou aberta. A tristeza dela era existencial, profunda e colava-se a si como a pele.
Por muito que sorrisse ou tentasse enganar-se a tristeza não se ia embora e moldava-lhe os actos, minava-lhe a confiança e fazia-a ser diferente do que era a sua natureza.
Passeava pela rua, alheia ao que a rodeava, com o lenço azul a esvoaçar no pescoço e a mala, que sempre carregava na mão, como se estivesse em permanente viagem.
Na rua onde ela andava, habitualmente, parecia não haver mais ninguém, só sons de fundo, indistintos a que ela não dava muita importância. Naquele dia, contudo, houve algo que a trouxe de volta à rua repleta de pessoas, com conversas vivas e sons presentes.
Viu a cara mais triste que a vida já lhe tinha dado ver, sentiu naquela cara a sua tristeza. Viu-o magro encostado a um muro, com uma pasta na mão. Os olhos no chão e o impasse em avançar, ou não. Apressou o andar, chegou perto dele, perguntou-lhe as horas para lhe ouvir a voz. Demorou a responder talvez porque também ele andasse perdido na rua onde não havia ninguém.
Escutou-lhe uma, a uma, as palavras e confirmou a tristeza dele. Puxou-o para si e deu-lhe um abraço. Ela sabia, melhor que ninguém o que era a tristeza e por isso não podia deixar que ele também a sentisse.
Ele olhou-a desconfiado, mas simultaneamente um sorriso desenhou-se no rosto magro e encovado.
As pessoas tristes tentam sempre fazer os outros felizes porque só elas sabem o que é ser triste...
Nos últimos dias tenho pensado no número absurdo de pessoas que conheço e que estão a passar, ou já passaram, por depressões. A maioria delas têm (felizmente) a capacidade tanto económica, como de discernimento para procurar ajuda e tratarem-se.
No entanto, não é fácil identificar uma depressão e actualmente tende a confundir-se a tristeza com depressão. É o mundo da felicidade forçada e da ingestão dos comprimidos da felicidade este, em que vivemos.
Alguém que perdeu quem ama, tem de estar triste, é normal, é humano e só seria estranho era se isso não acontecesse. Quem está desempregado, doente, tem de estar triste, não há vergonha nisso. E não são os comprimidos que resolvem estes estados de alma. A resolverem alguma coisa é apenas o proporcionarem a ilusão que o fazem.
Dizia Schopenhauer que: “Precisamos em todas as épocas de uma certa quantidade de desvelo, sofrimento ou carência, como um navio precisa de lastro para manter seu curso correto.” A tristeza é, por conseguinte, algo inerente ao ser humano e necessária para se atingir profundidade interior. Claro que é melhor estar feliz e alegre, mas nenhuma felicidade dura sempre, até porque há tristeza na felicidade(ou para se atingir a felicidade). Mas a sociedade não está preparada para isto. Ninguém tem paciência para pessoas que estão tristes, que choram... dá trabalho estar triste, e é uma embate muito grande consigo próprios.
Queremos apressar as coisas, queremos colocar LOL em todas as notícias, imagens e fotos, queremos mascarar a tristeza com caras de falsa felicidade. É mais fácil.
Um comprimido que dê alegria e não permita a tristeza parece, à partida, a solução ideal, mas será mesmo?
Não deviam as sociedades e todos nós procurar outras soluções que não apenas a dos comprimidos? Não se devia entender a tristeza de outra forma?