(Re) ler o Mito da Caverna de Platão
Nestes dias em que a temperatura sobe não só do ponto de vista meteorológico, mas por toda a contextualização que nos envolve dei por mim a pensar em como vemos mal. Sim, vemos mal! Decorrente de um prodigioso exercício de memória, dei por mim a pensar em Platão e nos seus homens presos nas sombras. Eles que viam reflexos nas paredes, resultantes do pequeno fogo que vivia no fundo da caverna acreditavam que aquele era o seu poderoso reino da verdade. O seu olhar dirigido para as paredes, para as sombras e para as correntes que os prendiam eram tidos como naturais, necessários e até incontestáveis. Um dia alguém lhe disse, sobretudo alguém lhe mostrou, haver mais do que aquilo, que ainda por cima era melhor que toda aquele (in)real incontestável e tido como inabalável. Havia o sol lá fora, existia um mundo para além daquele fétido buraco, onde as correntes marcavam o ritmo dos dias. Mas... era preciso querer ir lá fora, arriscar, ferir os olhos com a luz e aceitar que afinal toda a vida foi um engano. E vemos prisioneiros contemporâneos dependentes da ideia de uma acorrentada imagem de tudo mostrar, tudo divulgar, como se a existência humana não tivesse uma urgência de silêncio, de solidão, de reflexão, de resguardo. As sombras são a manifestação da ilusão de uma vida perfeita e onde o sofrimento, a mágoa e a desilusão não existem. Mas é puro engano, trazido pela voz da caverna, qual sereia encantatória, a querer que neguemos o que é o essencial da existência: a imperfeição, a dor da descoberta (seja qual for a sua natureza). Nessa verdade, trazida pela luz do exterior da caverna, seremos confrontados com a dor de uma luminosidade agressiva, mas ainda assim bela, cândida, e muito humana. No final resta isso, procurar e aceitar a verdade vivente em cada um de nós. Assumir a unicidade que premeia a existência e nos destinge de um aglomerado de seres agrilhoados que acreditam, sem questionar, no que as sombras vão projetando. A cor parda, em detrimento da verdadeira luz, será suficiente quando, no último suspiro, pensarmos no que fizemos com a vida?