Tantas e tantas metamorfoses
Sente o barulho da chuva que aperta o vidro da janela e as pedras da calçada. O som é igual a moedas de prata quando caem no chão. Suspira, entediada, ao mesmo tempo que sente as pernas mexerem-se à procura de outra posição.
Na mão tem um livro grande com capa castanha e letras douradas e o desenho de uma borboleta azul de ar cândido e alado. Lê sofregamente cada uma das páginas, os olhos caminham pelas letras ávidos de respostas e de conhecimento, mas quanto mais procura mais longe parece estar do fim. É difícil perceber que na maioria das vezes o fim é sempre um e outro recomeço.
Mexe-se, uma vez mais, pousa o livro no chão e puxa para si a manta castanha que descansava ao lado do banco. Pousa por um instante os olhos, na chuva que mansamente desliza pelo vidro e parece-lhe ver uma borboleta por entre os pingos de chuva. Esfrega os olhos, olha de novo, mas não consegue encontrar o que tanto queria.
Os olhos materializaram a sua leitura, pensa e respira fundo. Puxa o livro, mas não lê. Pensa apenas que nunca seria possível que as borboletas existissem se elas não passassem por longas e penosas metamorfoses. A maior beleza que existe numa borboleta é a sua mensagem de luta e a constatação de que à larva rastejante e menor sucede um ser brilhante, iluminado e com asas. Imagina o quão dolorosa é essa passagem, sente os músculos contraírem-se, sente suor e percebe que ela é a borboleta que esvoaçava entre os pingos de chuva.