Um medalhão e um papel com coisas boas
Os meus pés dançavam pelo empedrado daquela rua estreita onde cheira sempre a roupa lavada. Ecoava, nos meus ouvidos uma espécie de música celta, longínqua, mas presente e companheira. Olhei distraidamente o meu reflexo numa montra, estava com ar cansado e abatido, talvez tivesse andado demasiado, pensei. Desviei o olhar para o interior do vidro e encontrei a um canto, quietinho, um medalhão dourado. O medalhão abria e dentro dele vivia um espaço vazio que permitia escolher o que queríamos guardar. Ocorreu-me aprisionar, lembranças, imagens, ou segredos, mas era tudo demasiado pequeno. Pensei melhor e decidi-me pelas coisas boas e bonitas e escrevi num papel branco; com fios dourados, letra aperfeiçoada, todas os acontecimentos bons que me tinham marcado a vida.
Ali naquele pequeno papel estavam todos os momentos que significaram. Não quis aprisionar segredos, nem imagens, nem coisas más, para quê fazer perdurar o que dói? Guardei só o que me faz sorrir e também chorar, mas é um choro diferente. Eu tenho um saco( todos temos), branco quase tão delicado como o cristal; quando vejo gestos belos, imagens belas ou apenas beleza sem gestos, nem imagens, o meu saco abre-se e dele saem lágrimas, mas são lágrimas tão boas que mais parecem beijos: esse é um choro diferente.
Resolvi assim que, no meu medalhão só vão caber beijos de lágrimas, bonitas lembranças e esperança de que nunca poderei aprisionar o que é mau porque é demasiado pequeno, escuro e sombrio e o meu medalhão é tremendamente grande e luminoso. Com a palma da mão fechei, devagarinho, o meu medalhão dourado...