um sonho...
Nunca tivera tempo de ser criança e quando lhe falavam nisso nem sabia bem dizer se ela algum dia tinha sido uma criança. Sentia que tinha sido sempre como era hoje, adulta e sem sonhos. Bem na realidade tinha apenas um: ver o mar.
Um dia o tio "Chico", que tinha estado em Lisboa, tinha-lhe contado que o mar era imenso, azul, com grandes ondas e que era impossível não passar horas e horas a olhar aquele movimento de embalava.
Tinha sido o único brinquedo que tivera(e que o tio lhe ofrecera) e o único sonho. Brincava com pedras e imaginava que era o mar com as suas ondas, olhava prados verdes e imaginava a imensidão da água e depois, pensava sempre, que um dia o iria ver, de verdade. Os anos passaram, Filomena tinha três filhos e nunca tinha brincado com eles porque ela não sabia brincar. Trabalhava de sol a sol, no campo, e depois tinha a casa para tratar. As crianças acompanhavam-na nos campos e comiam todos juntos à beira de uma ribeira. Casara cedo, engravidara de seguida, e tudo era tão natural que nem nunca pensara que podia ser de outra maneira. Os filhos foram crescendo e foram-se embora, ela ficou sozinha com as pernas cada vez mais cansadas. -Já nem as pernas me ajudam, dizia.
Um dia, daqueles dias em que o Sol aparece cedo, o filho João chegou de carro e pediu-lhe que juntasse uma muda de roupa e o acompanhasse. Teve medo, mas era o filho e não podia dizer-lhe que não. Entrou no carro com as pernas a tremer, nunca tinha visto nada assim. Viu tantas coisas que nem conseguia pensar, sucediam-se imagens e ela respirava a custo. O filho parou o carro e ela soube, mesmo sem lhe dizerem, que estava em frente ao mar. Desde esse dia nunca mais falou, a emoção de ter realizado o seu sonho e ter encontrado o seu único brinquedo, levou-lhe as palavras. Nunca mais ela conseguiu que as palavras fossem mais, ou significassem tanto como o que tinha sentido, naquele dia. O mar nunca mais a abandonou e ela sentia, todos os dias, uma felicidade imensa porque afinal, aquele, tinha sido sempre o seu sonho.