Uma voz, sempre às dez..
(imagem retirada da net)
Quando lhe disseram que não ia mais falar com ele, nem vê-lo, sentiu uma dor lancinante, de tal modo que deixou de conseguir manter-se de pé e sem que soubesse explicar, as pernas dobraram-se e ela, que estava encostada ao muro sentiu-se deslizar, conseguiu perceber a rugosidade da parede, nas costas, e quando percebeu (talvez muito tempo depois) estava no chão e as lágrimas começaram uma, após outra, a sair descontroladamente tal qual um rio quando lhe colocam pedras à frente.
No entanto, sabe-o hoje, as lágrimas não saiam devido a uma constatação de falta, no momento o seu aparecimento estava relacionado com o facto de ela pensar o que sentiria se perdesse e não pelo convencimento de que tinha perdido.
A certeza veio depois, muito depois. Veio quando viu a cadeira vazia e as pantufas roubadas pelo pó. Sentiu-o quando se sentou e não teve ninguém que a ouvisse, que percebesse o que ela dizia, que a admirasse. Mas a falta percebeu-a, sobretudo nas rotinas e nos hábitos, aqueles que todos falam como se fosse alguma coisa feia e negativa.
Às dez ligava-lhe, todos os dias, estivesse onde estivesse. Queria sempre saber dela, o que ela fazia e como se sentia, para ele pedia pouco, talvez(ela não o sabia) o muito era apenas poder ouvi-la, saber que ela estava ali, na mesma dimensão, aquela hora. Todos os dias ela esperava aquela voz forte, mas cândida, uma espécie de alimento torneado e nutritivo. E os abraços? (que bom hábito era o de se abraçarem sempre). E os segredos? Os risos, as mãos? E o cheiro que por vezes se misturava com o mato por ter andado na floresta?
A perda por muito que se diga que não existe, totalmente, deixa faltas e vazios que nunca se preenchem, constrói dias sem significado onde não há uma voz, que está sempre presente às dez.