Viagem na Cadeira...o trigo e o azul
Fechou a porta do quarto e respirou fundo. Sentou-se no enorme cadeirão de verga que tinha comprado com o pai quando visitavam as aldeias da serra e puxou o livro que tinha deixado a meio. Cada vez que a porta se fechava ela sentia que era o começo do seu dia, da sua vida que iniciava. Sentia uma mistura de cortante solidão acompanhada de superioridade. Aquele era o seu mundo, naquele só entrava quem ela quisesse.
Aos poucos foi-se cansando de deixar entrar. Tudo era demasiado banal, as suas conversas não interessavam, as conversas dos outros não interessavam. Encostou-se melhor e sentiu que a cadeira lhe magoava as costas, deixou-se estar. Enquanto tentava ler, todas estas ideias cambaleavam na sua cabeça, como velhos encostados a bengalas. Revirou-se na cadeira, fechou os olhos e pousou o livro no chão. Viu azul e branco, viu um céu que não acabava e ouviu o chilrear das andorinhas atarefadas com os ninhos, viu recomeço, sentiu dor, perdeu-se. Encontrou-se no meio do trigo que gritava amarelo. Queria tudo... Cansara-se de fingir ser o que não era, de mendigar por atenção ou delicadeza... No meio do céu e do trigo, das andorinhas e do seu canto ela não precisava de pedir: tudo lhe era dado e tudo ela sentia. Abriu os olhos, viajara sentada numa cadeira de verga, atrás de uma porta que a fazia renascer cada vez que a fechava...